Pela Mão Dela 1.2

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A primavera chora, e a morte desabrocha


Isso é muito estranho. — Encarei a figura no canto da sala em pleno silêncio.

Enquanto tentava me concentrar em minha caligrafia sentia um leve desconforto com aqueles olhos azuis pousando em mim. Sem falar, sem se mexer, com apenas nós dois no quarto, não pude deixar de me agoniar com essa atmosfera.

— Poderia parar de me encarar.

— Sim, jovem mestre. — Ela se virou para parede e permaneceu como uma estátua.

— Não, não é isso. — Não pude deixar de acreditar no que estava vendo. — Eu não quero que a senhorita fique de costas.

— Então é para me retirar, jovem mestre?

— Sim, quer dizer, não. Hah... — Suspirei já não entendendo mais nada ou me entendendo. — A senhorita fará tudo que eu pedir?

— Eu sou sua escrava, darei o máximo para cumprir suas ordens. — Sua voz desprovida de emoção soletrou letra por letra me irritando até o limite.

— É esse o problema! — Declarei com as veias saltadas.

— Então o que deseja que eu faça, jovem mestre? — Ela testava minha paciência. Se assim que ela queria jogar, ela saberia que eu também podia.

— Primeiro vira para mim. — Ordenei. Sem escolhas ela virou com aquela aparência inerte.

Eu me aproximei, e sentei diante dela olhando bem para sua figura. Ela era alta e esguia, muito diferente das mulheres do leste. Mas o que mais me atraia era seus olhos azuis, nunca vi antes um igual. O povo do oeste deviam ser iguais os cedros nobres. Grandes e com suas folhagens como tesouros em exibição.

— A senhorita realmente é mestiça? — Perguntei, meio desconfortável e meio curioso. Hanabi assentiu com a cabeça. — Por isso é uma escrava?

— De acordo com a lei, isso mesmo.

— Sente confortável sendo uma escrava? — Foi minha vez de afiar os olhos gélidos.

— Uma escrava não precisa sentir-se confortável. — Ela era dura como ginkgo!

— O seus pais, cada um era de qual nação?

-... — Pela primeira vez sua fachada de gelo se desfez. Os olhos safiras cintilaram uma tristeza peculiar que me deprimia. Ela hesitou, sua boca entreaberta se fechou assim como seu coração.

— Sentiu desconfortável? — Eu perguntei tentando soar frio como meu pai, mas falhei em esconder minha preocupação.

— Não, claro que não. — Ela espremeu os lábios recobrando a postura de ferro. — Meu pai ele era...

Antes que ela pudesse terminar minhas mãos voaram em sua bochecha puxando cada uma para um lado.

— Não precisa. — Declarei soltando as bochechas com um sorriso. Um sorriso e gesto que a deixou atônita. — Meu nome é Haruki Kurakami e quero ser um "homem" igual ao meu pai. — Levantei-me ainda com um sorriso sacudindo meu hakama11. — Ele me ensinou que, qualquer pessoa que adentrou esse estabelecimento é um cliente, e portanto não devemos descriminá-lo independentemente do motivo. Como o futuro dono da pousada Para Ela, eu não tratarei ninguém diferente, todos que estiverem aqui dentro serão meus preciosos clientes!

PARA ELA: ABERTURAOnde histórias criam vida. Descubra agora