17. Uma decisão

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Maya Matthews.

O interrogatório parecia interminável. Os olhares acusadores, as perguntas incessantes, a sensação de estar aprisionada em um pesadelo da vida real. Eu me via implorando para que me soltassem, tentando articular palavras que pudessem desfazer o mal-entendido.

— Por favor, eu sei que me exaltei, mas eu não estou me drogando! — Eu implorei, sentindo a urgência nas minhas palavras. Meus olhos buscavam compreensão, mas o ceticismo pairava no ar.

Lúcia, minha madrinha, me olhava com preocupação, seu rosto uma mistura de frustração e incerteza. As palavras saíam em um fio rápido:

— Maya, os exames não mostraram nada no seu sangue. Eu não entendo o que está acontecendo, mas você não está usando drogas, eu sei que não está.

Aquela afirmação trouxe um breve alívio, mas ainda havia o desafio maior de explicar o inexplicável. Engoli em seco, reunindo coragem para compartilhar uma verdade que soava absurda até mesmo para mim.

— Eu não estou louca, Madrinha. Tudo o que eu disse é verdade, eu só não sei explicar direito. Eu estive em um lugar diferente, uma realidade alternativa, algo como The Walking Dead. Parece ridículo, mas é real. — Eu admiti, sentindo o peso das palavras.

Lúcia me encarou por um momento, seus olhos buscando os meus em busca de algo que pudesse validar ou refutar minha declaração. Surpreendentemente, ela respondeu:

— Eu não posso entender essa parte de The Walking Dead, mas acredito em você, Maya. Acredito que você esteve em um lugar que mexeu com você de maneiras difíceis de explicar. Não sei como isso é possível, mas vejo a verdade em seus olhos.

Senti um nó na garganta, uma mistura de gratidão e desespero. Aquela compreensão parcial era uma tênue luz de esperança, mas ainda havia um abismo entre nós. No entanto, Lúcia continuou:

— E quanto ao resto, Maya... sobre estar apaixonada, não importa o lugar, isso é real. Eu vejo isso em você, mesmo que não possa entender completamente. Mas acho que não vai adiantar tentar viver uma mentira aqui, fingindo que está tudo bem. Você merece ser feliz, mesmo que eu não entenda completamente como.

A sinceridade nas palavras de Lúcia cortou fundo. Eu sabia que não poderia convencer ela da totalidade da minha experiência, mas a aceitação parcial que ela oferecia era mais do que eu poderia esperar.

—Eu te amo e agradeço a você por tudo que fez por mim durante toda a minha vida, agradeço a você por cuidar de mim, por não deixar meu pai me machucar e me assumir como sua filha, você é a mãe que nunca tive e sempre quis ter. — Peguei a mão dela e sorri, os olhos dela se encheram de água e ela me abraçou.

—Eu te amo, abelhinha— Lúcia falou acariciando meu cabelo.

Naquela noite, soltaram meus braços e eu finalmente fiquei livre das amarras do hospital, durante a madrugada, eu me levantei e caminhei pelos corredores do local, até parar no banheiro dos visitantes, entrei no local que estava vazio, a luz começou a oscilar e eu me senti em um filme de terror.

Ao olhar meu reflexo no espelho, eu não vi a Maya com roupas de hospital, eu vi a Maya com os cabelos bagunçados, sangue seco de zumbi no rosto e as roupas de Carl, era aquela Maya que eu queria ser.

—Maya?— Ouvi uma voz feminina me chamar e olhei para trás vendo minha madrinha— O que tá acontecendo?

—Eu só... Só vim no banheiro— Respondi olhando para o espelho novamente ainda vendo minha imagem modificada.

— Tá olhando oque? Tá vendo alguma coisa?— Perguntou olhando para a mesma direção que eu e provavelmente não vendo nada.

— Nada, achei que tinha visto alguma coisa, foi loucura minha— Me virei para sair do banheiro mas dessa vez ouvi a voz de Carl me chamar— Você ouviu isso?— Perguntei olhando para minha madrinha e agora quem estava com cara de louca era ela.

—Eu ouvi...

Lúcia também parecia intrigada, seus olhos buscando alguma explicação racional para a situação inexplicável. Ficamos em silêncio por um momento tenso, atentas a qualquer sinal de movimento ou som que pudesse confirmar ou refutar nossas percepções.

— Pode ser só a nossa mente, querida. Estamos cansadas. — Lúcia tentou tranquilizar, mas sua expressão denunciava a dúvida.

— Não, eu vi no espelho e você agora ouviu também.— Insisti, minha voz tremendo com a intensidade da minha convicção.

Ela suspirou, resignada diante da complexidade da situação. Sem mais palavras, decidimos deixar o banheiro, levando conosco o mistério que pairava no ar. A sensação de estar em dois lugares ao mesmo tempo, a conexão inexplicável com aquele mundo alternativo, persistia como uma sombra em minha mente.

Ao retornar para o quarto, Lúcia sugeriu que tentássemos descansar. Deitei na cama, mas o sono era elusivo, minha mente mergulhada em pensamentos tumultuados. A dualidade da minha existência, dividida entre dois mundos irreconciliáveis, era um fardo que eu carregava.

De repente, uma lufada de ar frio encheu o quarto, e uma sensação familiar percorreu minha pele, eu me levantei, dei um beijo na minha madrinha adormecida e deixei um bilhete;

"Obrigada por tudo, eu vou ficar bem, eu prometo, eu te amo!"

Eu estava quase acreditando que estava ficando louca, essas sensações, será que não estou em coma, alguma coisa assim e tudo que estou passando é apenas algum sonho insano mas eu sabia que não era, sabia que era real. Peguei minhas roupas, a blusa xadrez de Carl novamente, toda a minha roupa de Alexandria que eu me recusava a tirar.

À medida que a noite avançava, eu segui um impulso inexplicável em direção ao desconhecido. Caminhei pelas ruas silenciosas da cidade, com a sensação de que cada passo me afastava não apenas do hospital, mas da própria realidade.

A brisa noturna acariciava meu rosto enquanto eu vagava pelas ruas desertas. O cenário urbano familiar se transformava em uma paisagem desconcertante, onde sombras dançavam e a luz da lua lançava reflexos iridescentes.

Caminhei por vielas estreitas e praças vazias, guiada apenas pelos meus pensamentos perdidos. À medida que avançava, era madrugada e não era uma das melhores opções ficar andando sozinha mas o que de pior podia acontecer?

Wake Me Up • Carl Grimes Onde histórias criam vida. Descubra agora