Capítulo um: Me dê uma grande e épica aventura antes do meu casamento.

1K 102 591
                                    

Capítulo um:

A brisa noctâmbula marítima não trouxe nada além de uma sensação úmida e salgada contra a face de Sir Haughn, que teve a má sorte de ficar responsável pelo farol portuário. Ao menos não choveu naquela noite. O céu estava estrelado, constelações cintilantes desenhavam-se em meio a nebulosas em tons de laranja e verde. As águas, devido ao primeiro quarto da lua, estavam calmas e a maré baixa.

No porto de Montpar, abria-se um estreito caminho de areia até um pedaço de terra e matagal no meio do mar que alguns poucos tolos ousavam atravessar. Sir Haughn até queria que algum marinheiro bêbado tentasse fazer a travessia, porque enquanto seus colegas estavam na taverna da vila próximo ao porto, com mulheres de seios fartos e dispostas à tudo por meras moedinhas de norigans, ele estava apertado dentro do uniforme azul-claro olhando o eterno mar azul meia-noite.

A última vez que houve algo de interessante desde que o seu turno começou foi à tarde. Sir Haughn teve a sorte de estar almoçando no centro da cidade, quando viu uma menina — que não devia ter mais que dezessete ou dezoito anos — ser arrastada até o pelourinho.

O oficial da tarde decidiu ensinar-lhe uma lição que era mais comum aos garotos encrenqueiros do porto: pregou a orelha da garota no pilar de madeira e depois foi embora. Ela chorou copiosamente, mas não se moveu. Sir Haughn, como tantos outros que passavam pela praça principal, ficou surpreso. Algumas mulheres demonstraram pena. Contudo, ninguém ousaria ir ajudá-la com oficiais e guardas espalhados pelo porto e mais atentos desde a última vez que a cidade foi saqueada por piratas.

Cotidianamente, meninos metidos à ladrões ficavam pregados até a coragem de rasgar a orelha ao puxá-la se fizesse presente, mas, para Sir Haughn, era óbvio que a menininha não conseguiria. Em pé no farol, ele se perguntou se ela ainda estava lá. Quanto mais tempo permanecesse, pior seria. Talvez devessem fazer isso com mais frequência — algumas mulheres não mereciam mesmo um tratamento delicado e protetor.

Ao encarar o oceano pelo que parecia ser a milésima vez em poucos minutos, sem a esperança de encontrar algo que tirasse a sua mente da taverna e dos canecos de cerveja, Sir Haughn avistou um movimento abaixo do farol, nas rochas contra qual as ondas batiam. Ele inclinou-se e teve o vislumbre de algo vermelho, mas poderia ser apenas um estranho jogo de luz marítima, salmões ou sua mente pregando-lhe peças. Havia essa moça ruiva no bordel que noutro dia levou-o ao puro êxtase divino...

O som de passos na escada em espiral do farol alertou Sir Haughn. Ele colocou uma mão na pistola presa ao talabarte e, com uma lentidão silenciosa, puxou sua espada. Deu passos calculados até o espaço circular onde o último degrau se encontrava. Perscrutou os arredores. Uma insígnia da Marinha Real tilintou no casaco azul-claro do uniforme.

Ele vislumbrou algo vermelho outra vez, mas no instante seguinte, o seu corpo atravessado por uma lâmina reta, cortante e versátil que cintilou prateada à luz da lua, escorregou sem peso por toda a escada em espiral. A espada de cabo cravejado por rubis retornou ao cinto de couro parcialmente ocultado por uma jaqueta longa e marrom, adornada por pulso e gola bordados.

— Ele é o único aqui em cima — disse a voz feminina, autora do assassinato.

Elizabeth lançou um olhar ao oceano uma última vez, para verificar a sombra de seu imponente navio, o Serpente da Alvorada, aproximando-se. A bandeira com fundo branco, um triângulo invertido azul e a roda do leme vermelho do Império Norwich foi substituída pela clássica de fundo preto com uma caveira. Jolly Roger.

A bandeira dos piratas.

Outra voz feminina soou do térreo.

— Capitã, estamos todos prontos — disse Shi Mui, sua conselheira. — Há mais guardas do que a última vez.

Treacherous Sea • tswiftOnde histórias criam vida. Descubra agora