Capítulo vinte: Se você quiser me enforcar, é só pedir, querida.

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Capítulo vinte:

A lua minguava no oceano e seu brilho prateado refletia no mar feito um espelho d'água, com pequenos pontos cintilantes que ondulavam com as fracas ondas do porto onde o navio atracou semanas atrás. O vento outonal ricocheteava na copa das árvores das redondezas em uma aguda melodia que não trazia boas notícias. A madeira rangia feito um ronco.

A brisa gélida chapinhou o rosto de Catarina com gotículas salgadas, fazendo com o que o canto de seus olhos azuis ardessem, mas ela não se moveu da posição onde estava — com os braços envoltos por luvas pretas de couro sem os dedos apoiados na amurada, próximo ao convés de popa.

Toda a tripulação estava calada, ela reparou. Percebeu que Philippe tinha suor acumulado no bigode e que o molho de chaves amarrado na cintura de Lúthienna sacolejou com os passos severos da Mestre de Armas, pois Catarina havia tomado nota, meses atrás, que essa mulher se movia em silêncio — exceto quando estava enervada. Jasper deixou seus pés escorregarem no mastro quando subia para o seu posto no topo do mastro principal, o Ninho do Corvo, agora renovado após semanas de reparos.

Todos abalados. Estrategicamente falando, seria o momento perfeito para um ataque do inimigo — e o Serpente da Alvorada tinha muitos —, pois a própria capitã estava desestabilizada há semanas, fragilizando todo o navio consigo sem sequer perceber. Entretanto, se Elizabeth não conseguia ver isso, cabia a conselheira Shi Mui — a qual, a passos cautelosos porém objetivos, guiaram a capitã para dentro de sua antiga cabine — mostrá-la qual o melhor caminho para colocar tudo nos eixos.

Catarina suspirou, deu um chute leve na madeira da amurada e abaixou a cabeça, sentindo a ponta do rabo-de-cavalo relar na pele úmida da nuca. Ela não tinha obrigação nenhuma de investigar todas aquelas pessoas, mas não conseguia evitar. Era o que mais amava fazer quando vivia no navio do pai: Olhar as pessoas. Seus gestos. Manias. Fraquezas. Tudo isso sem ser pego. Era o que um bom conselheiro deveria fazer, e mesmo quase duas décadas após deixar esse sonho para trás, era difícil evitar traçar perfis e planos.

Quando trabalhou para o Barão Mortimer Dreadthorn, suas habilidades foram necessárias para a sua sobrevivência, assim como o seu silêncio e a escolha de, às vezes, não olhar duas vezes e não analisar. Provavelmente, foi ter virado o rosto para o outro lado que a colocou naquela fatídica situação.

Catarina passou quase duas décadas acreditando que fora traída por sua irmã apenas para descobrir que ela própria era a traidora. Confabulando com a mãe que vendeu a própria filha. Servindo ao homem mais vil e cruento que já conhecera e que teve, por anos, Elizabeth em suas mãos.

O mero pensamento a fazia querer vomitar. Catarina sentia nojo de si mesma. Todavia, sentia também pena. Ela não sabia dizer qual sentimento era pior. Queria desesperadamente que Elizabeth a perdoasse — sonhava com o dia em que poderia dizer que ela não sabia, que esteve sozinha e aterrorizada por todo esse tempo. Sentiu-se abandonada. Traída. Com ódio. Simultaneamente, não achava que merecia o perdão de Elizabeth e talvez viver com o seu ressentimento fosse melhor do que a indiferença.

Pelo menos, Elizabeth sabia que ela estava viva. Pelo menos, demonstrou sentir algo.

Mas, por quanto tempo aguentaria isso? Até Elizabeth colocá-la para fora do navio quando retornassem para Biri? E, o que Catarina faria? Ela não tinha ninguém. Sua mãe era uma pérfida mentirosa que não a procurava há cerca de dois ou três anos, seu pai estava morto e sua irmã a odiava.

Bem, ela pensou com amargura. Há a vovó. O vilarejo. Arwen. Lúcia. Luana. Podia conseguir um emprego qualquer na taverna local e seguir com a sua vida enquanto lendas mirabolantes da lendária capitã Belladonna eram criadas — e Catarina ouviria tudo sobre os feitos de sua irmã de longe, assistindo sua vida através de rumores.

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⏰ Última atualização: Jul 12 ⏰

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