Pra Sempre Ricardo

M

M.

A última coisa que queria era trazer ele para essa carta, queria que tivesse morrido esse assunto no outro livro, na verdade, até morreu, mas preciso dedicar uma página a ele para que você entenda algumas coisas, e para que outras também faça sentido.

Tem coisas na vida que a gente não entende e tampouco fazem sentido, e geralmente só o tempo se encarrega de nos mostrar algumas coisas, e uma delas foi entender porque foi necessário ter conhecido o M.

Hoje eu sinto até vergonha de ter escrito uma carta exclusiva para ele, porque me sinto um grande idiota, mas entendo também que o fato dele ter sido um otário não muda a pessoa incrível que sou, eu sempre carreguei comigo a filosofia de que nunca deixarei que más pessoas me corrompam. Nunca deixarei que pessoas mal-amadas tirem o amor e a fé que há em mim, que me deixem de fazer acreditar nas pessoas. Inclusive foi por acreditar nele que insisti por longos quatro meses. Mas com o tempo cheguei a conclusão de que era insustentável e destrutivo para minha saúde mental, eu já estava muito mal ao lado dele, e sabia que não era aquilo que merecia.

Eu entendo que ninguém é obrigado a estar com uma pessoa sustentando o discurso de "Ah, mas lá, no fundo, ela é uma boa pessoa", não! Isso é errado! Ninguém tem que procurar petróleo em ninguém, ninguém tem que cavar na tentativa de encontrar ouro, o que é bom tem que imergir, o que reluz tem que brilhar na superfície.

Não fazia sentido, para mim, insistir nele, tampouco entendia o porquê eu gostava tanto dele, era desproporcional minha dependência. Graças a terapia entendi que de fato era uma dependência, a mesma de um dependente químico, exatamente por isso, química, era essa química que me fazia ficar, a abstinência. Sempre acreditei que existe atração física e mental, nem sei onde vi essa teoria para mim era da minha cabeça, mas minha psicóloga confirmou que é verídico, sabia o quanto era difícil encontrar alguém que te completasse em tudo. Às vezes muitos relacionamentos acabam porque chega um ponto que você entende que não tem atração mental, ou que é somente atração física, ou às vezes só a carência mesmo.

M não era nem de longe a pessoa que idealizei, ele tinha zero compatibilidade mental, ele mal sabia escrever certo, e modéstia a parte eu sou bem inteligente. Fui capaz de ignorar tantos fatos para estar com ele, que hoje eu só consigo imaginar, onde estava com a minha cabeça, com certeza em outra atmosfera, em outro plano, realmente é como diz a música:

"Cara, eu devia estar louco, fora de mim"

Só Deus sabe os dias infernais de ansiedade que vivi por um quase relacionamento que projetei e investi toda minha energia e tempo. Por uma pessoa que me deu migalhas, me mentiu, me enganou, que foi abusivo, tóxico e manipulador. Eu estava tão bem antes de conhecer ele, estava com a terapia em dia, até ele chegar e bagunçar tudo, ele quase me destruiu, quase acabou com a minha saúde mental. Eu me neguei a derramar uma lágrima sequer por ele, eu me nego a relembrar qualquer lembrança falsa que minha mente possa criar, camuflando todo o mal que ele me fez, eu me nego a não seguir em frente ainda que meu coração e meu corpo esteja com abstinência do corpo dele, eu me nego qualquer coisa, só quero esquecer esse filho da puta.

Ele foi definitivamente a melhor coisa que nunca tive.

Foi um mês de agonia, um mês de luto, um mês ressignificando algumas coisas, revendo outras. Um mês cuidando de mim, me amando, me reencontrando, voltando a sair comigo mesmo e principalmente, um mês de muita terapia.

É muito ruim quando você se dá conta que seus traumas de infância e a falta de estrutura familiar te influenciam nas suas relações, isso de maneira positiva ou negativa. Eu sempre fui muito radical em permitir quem entra na minha vida e quem tem acesso a minha privacidade, sempre filtrei bem e fui me tornando mais apático com o tempo em relação a quem saia da minha vida, sem deixar que aquilo doesse ou me afetasse como já doeu um dia.

Nunca me permitia ser vulnerável, nunca me permiti me abrir com ninguém. Eu entendo que isso não é saudável, mas foi a única maneira de me autoproteger, tive que criar uma capa para que não me machucassem, eu tive que me tornar nisso, porque nunca tive quem me protegesse, nunca tive alguém que me salvasse, eu mesmo me tornei meu salvador.

Ser vulnerável na mão de pessoas erradas se torna uma arma contra você.

Me doeu descobrir na terapia que eu era alvo fácil para pessoas como o M, que para todo abusador, precisa ter uma pessoa como eu.

Já não acreditava no aplicativo mais, já havia passado um mês de luto e superação do M, acho que já estava bem para encontrar outra pessoa, mas a cada tentativa eu me frustrava mais.

Como as pessoas podem ser tão vazias.

Vou excluir essa droga.