11 - Stalkpresso

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Acordei com o choro de uma criança, um choro de desespero.

Olhei em volta e não havia ninguém, tudo estava escuro. Estava na minha cama sozinho, suado e assustado. Voltei a dormir, não sonhei mais.

Havia conseguido o emprego na cafeteria, a entrevista foi um sucesso, tentei não falar demais e nem de menos, Amanda que agora seria minha chefe foi extremamente compreensiva e gentil na entrevista. Fui sincero que não sabia fazer porcaria nenhuma e ela disse que não seria problema.

Erick, que agora era meu mais novo colega de trabalho, me ajudou muito nos meus primeiros dias auxiliando com a máquina de café e o atendimento ao cliente, era mil vezes melhor atender as pessoas sem a necessidade constante de tentar vender algo para elas. Se alguém quisesse um capuccino pediria um capuccino e dane-se se mudasse de ideia, meu salário continuaria o mesmo.

Foi extremamente prazeroso pedir demissão da loja de sapatos, não me dei ao trabalho de fazer pessoalmente, apenas mandei uma mensagem e não respondi mais as perguntas do motivo, se queria um aumento e etc. Foi libertador.

Eram quase quatro da tarde, marcando o meu quarto dia de trabalho na cafeteria. Tinha acabado de retornar do meu intervalo, ajustei meu avental e me juntei ao Erick para auxiliar com os pedidos. Em seguida, corri para o caixa para concluir uma compra e, rapidamente, retornei para abastecer as máquinas de cappuccino com leite. A seguir, atendi a solicitação de um expresso para viagem de uma senhora, seguido pelo pedido de sete cafés, cada um diferente do outro, feito por uma família. Enquanto isso, um estudante procurava por uma tomada para conectar seu notebook. Lidar com tantas demandas simultâneas era agitado e, por vezes, estressante, mas eu preferia essa agitação do que a loja de sapatos.

— Boa tarde, em que posso te ajudar? — estava limpando o balcão quando senti alguém se aproximar.

— Boa tarde. Gostaria de um capuccino italiano por gentileza, os normais são muito doces. — olhos azuis me encaravam do outro lado do balcão. Arthur.

— Até aqui?

Ele deu de ombros

— Gosto do café daqui.

— Eu também, algo mais?

— Quando começou a trabalhar aqui? — sua expressão era tranquila, mas sentia o tom de bom humor no canto de seus lábios.

— Algo mais? — eu repeti.

— Por enquanto é só isso mesmo. — ele sorriu e seguiu para o final da cafeteria se sentando em uma mesa distante. Ótimo preferia ele sentado longe, por um momento pensei que Arthur sentaria no balcão e observaria minuciosamente cada movimento meu, como um bom psicopata.

Nem Erick e nem minha chefe Amanda repararam nele, a correria impedia qualquer atenção que não fosse o trabalho. Limpei as mesas, lavei os pratos, servi mais café, descobri como trabalhar na chapa, deixei um ovo cair no chão, limpei, fechei comandas, corri pra atender o pedidos do delivery. Quase esqueci que Arthur estava lá, mas sempre que levantava os olhos, não importava onde, ele estava me observando. Então entendi por que havia sentado longe, de lá ele conseguia seguir todos os meus movimentos, meu único refúgio era a cozinha. Infelizmente fui contratado para ficar no atendimento do balcão e não na cozinha.

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Estava me irritando com isso, uma dezena de vezes o encarava de propósito e ele desviava o olhar cutucando os cantos da mesa, olhava a decoração ou remexia no telefone, pessimamente disfarçado. Quando faltava pouco para fecharmos, Arthur se levantou, pagou a conta com Erick e saiu. Quando sai da cafeteria, subi na minha moto e o vi encostado em um carro preto, meu estômago gelou quando pensei por um instante que poderia ser o mesmo carro que estava estacionando na frente da minha casa. Abandonei a ideia em seguida, ele não seria tão psicopata assim, seria?

Arthur aparecia de vez em quando na cafeteria, sempre de olho em mim. Meu colega Erick era um cara engraçado e acabou reparando nisso e antes do final do meu primeiro mês Arthur já havia ganho um apelido: Stalkpresso. Amanda não ligava, contanto que ele continuasse a consumir, não demorou muito até que todos se acostumassem com a presença dele.

Houveram dias em que Arthur não apareceu e uma moça loira de semblante sério muito parecida com ele aparecia em seu lugar, se sentava na mesma mesa e saia pouco antes de fecharmos. Eu a reconheci imediatamente, estava lá no dia em que fui mordido, minhas tentativas de falar com ela falharam também. Só sabia que seu nome era Vitória, nada mais.

Eu tinha receio deles, mas por algum motivo não sentia medo, só desconforto. Eram tão simpáticos e educados e isso me irritava, não conseguia ser grosseiro e mandar parar. Queria muito perguntar qual era a razão daquilo tudo, mas não conseguia, eles cortavam o assunto ou fingiam que o cardápio era muito interessante.

Certo dia estava fazendo um misto quente para um cliente quando meu braço direito começou a latejar, era uma dor intensa que parecia corroer meus ossos. Gritei de dor largando a espátula e quando virei todos estavam olhando para mim, inclusive Arthur que havia se levantado no fundo da cafeteria. Quando Erick veio até mim eu disse que meu braço tinha tomado um choque, porque era o que fazia mais sentido. Depois disso tive dificuldades de mexer o braço nesse dia, ele ainda permanecia dolorido, uma dor que nunca havia sentido. Quando sai Arthur me esperava ao lado da minha moto:

— Como está seu braço?

— Olá, tudo bem? — ignorei sua pergunta e ele ignorou a minha.

— Está doendo ainda?

— Por que se importa?

— Pode responder? — seu olhar era preocupado e sério.

— Pode me explicar por que está em todo lugar que eu vou?

— Vamos conversar por perguntas?

— Isso te incomoda?

— Incomoda um pouco sim.

— É uma pena. Você não vai responder minhas perguntas então não vou responder as suas.

— É justo. — sua expressão suavizou um pouco quando ele respirou fundo, sentindo o cheiro de algo. Eu não senti nada. — Você parece melhor.

— Será?

— Algo me diz que sim.

— Por favor pare de me seguir.

— Eu não estou te seguindo.

— Como queira — subi na moto e dei a partida.

— Estou te vigiando.

Ele sorria ao dizer isso, um sorriso divertido e isso me assustou muito. Acelerei sem olhar para trás.

Naquela madrugada minha mãe me pegou na cozinha às duas da manhã comendo uma sardinha enlatada enrolada em grossas fatias de panetone, ela não disse nada. Apenas pegou um copo d'água, me julgou com os olhos e foi se deitar. O que estava acontecendo comigo?

O Lobo e o PeixeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora