15 - Ossos em chamas.

3 1 0
                                    

Estava descalço e com frio, não sabia para que lado seguir no imenso corredor da universidade. Era noite, ou será que era dia? Não sabia dizer, minha visão era turva e não raciocinava direito. Tentei lembrar que dia era e o que estava fazendo, mas nada vinha, havia um borrão preguiçoso na minha mente, como se algo pesado abafasse meu raciocínio.

Sentia fome e impaciência. Não havia sinal de ninguém em lugar algum, tudo estava morto, não havia cheiros, nem som. Somente uma vibração que fazia os pelos do meu braço se arrepiarem. Quando avancei pelo corredor senti meu corpo caminhar mais rápido do que jamais havia feito, cheguei no final dele em segundos. Outro corredor se abria à minha esquerda e no final dele havia uma garotinha, ela era familiar, mas não conseguia identificar de onde a conhecia. Era baixa e de cabelos morenos com um olhar alegre, estava de pijamas claros, com cabelos amassados de dormir. Ela sorriu e acenou. Acenei de volta, mas não lembrava de mandar meu braço fazer isso, ele simplesmente se mexeu como se não fosse meu.

A garotinha então sorriu e saiu correndo para outro corredor e eu a segui, não sei bem o porquê. Ao virar a esquina, percebi que a garota não estava mais sozinha, segurava a mão de uma senhora que estava de costas, mas algo estava errado, o olhar alegre da garota sumiu, seu pijama agora estava sujo de terra e mato, havia rastros de lágrimas em seu rosto, seu cabelo estava estranhamente bagunçado, como se tivesse sido puxado com força. Havia uma poça de algo vermelho no chão.

Então a garota chorou, sua boca abriu, mas nenhum som saiu. Havia desespero em seu rosto, mas não ouvia nada além da minha própria respiração. A senhora que segurava sua mão se virou e pude ver que ela usava roupas estranhas e velhas, toda coberta de terra e sujeira. Seus cabelos eram cinzas e desgrenhados, algo se mexia neles, mas não consegui ver o que.

Meu coração parou quando a senhora virou sua cabeça sem rosto para mim, não havia nada, somente pele, quilômetros de pele enrugada, sem nariz, nem olhos, nem boca. Nada. Meu estômago revirou de nojo, mas não tive tempo de processar a imagem, pois a garota começou a falar e dessa vez havia som em suas palavras. Seus olhos brilharam brancos e sem córneas quando ela disse:

Doce durmo.

Feroz me levanto.

Sua voz morreu quando inúmeros fios vermelhos despencaram pela sua boca aberta, como uma cachoeira carmesim.

Acordei gritando. Meu corpo ardia e meus ossos queimavam como ferro quente. Sentei na cama e meus braços e pernas pareciam normais, sem nenhum arranhão, mas por dentro era como fogo caminhando por debaixo dos meus músculos. Gritei pela minha mãe, urrei de dor e me contorci na cama. Só conseguia ouvir meus gritos, minha mãe não apareceu. Consegui ver que não havia luz vindo da janela, era noite ainda. Com muito esforço consegui ficar em pé e abri a porta do quarto, mas meus pés doíam demais com meu peso e caí no chão do corredor, meu corpo todo parecia em chamas, queimando de dentro para fora. Cada centímetro dos meus ossos pareciam latejar. Gritei pela minha mãe novamente e ela não apareceu.

O desespero começou a tomar conta de mim, onde estava minha mãe? O que estava acontecendo? Precisava de um médico, de um hospital, de um tiro na cabeça. Qualquer coisa pra fazer parar. Minhas têmporas iriam explodir a qualquer momento, gritei como nunca havia gritado antes.

Rastejei pelo chão até a sala, tudo doía e queimava, cada osso meu parecia que quebraria a qualquer momento. Gritei com as costas arqueadas no chão. Por favor Deus faça parar! Gritei mais uma vez. Vou morrer, vou morrer, vou morrer.

Um som abafado soou na porta. Alguém batia e dizia algo, não ouvi com os meus gritos. Bateram na porta de novo e de novo, até que então a porta abriu torta e despencou das dobradiças. Braços envolveram meu corpo, um leve alívio se passou naquele instante, mas não o suficiente para que eu conseguisse suportar aquela dor.

O Lobo e o PeixeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora