— Mona, você tá com uma cara terrível — Rodrigo ao contrário, estava deslumbrante num terninho de veludo em plena universidade.
— É porque eu estou terrível. Não ando conseguindo dormir bem.
— Faz semanas que você está estranho — Lizz estava do meu lado e me passou sua caneca de café e seguimos os três pelo corredor.
— Sei lá, desde o incidente com Fábio não ando bem. Ando tendo sonhos estranhos e alguns episódios de sonambulismo.
— Nossa, mas faz anos que você não tem mais isso. Lizz você não sabe a pior, quando a gente era menino o Alvaro acordava durante a noite e mexia nas coisas do quarto, uma vez estava um calor do cão, era verão ele foi até o armário, pegou todas as cobertas e jogou em cima de mim. Eu fiquei puta da cara com ele. Foi engraçado. Desculpa Alvaro, te cortei, continue.
— Teve umas noites que acordei na cozinha de casa.
Não queria falar sobre a coruja ou o sangue, era um estresse que eu não estava preparado para enfrentar ainda.
— E você se lembra de ter sonhado algo? — Lizz tentou manter a voz neutra, mas eu senti preocupação nela.
— Não lembro de ter sonhado nada, só poucos flashs de coisas sem sentido.
— Tipo?
— Tipo um monte barbante vermelho no chão e nas minhas mãos.
Então como uma porrada no estômago senti uma ideia se formar. Fios vermelhos nos meus dedos no sonho, o sangue nas minhas mãos quando acordei. Eram parecidos.
A voz de Rodrigo me cortou o raciocínio:
— É, realmente os barbantes não dizem nada com nada. A minha opinião nada confiável é que você está estressado com tudo isso, você não superou a morte de Fábio.
Fazia sentido, mas eu não pensava em Fábio há dias e me sentia egoísta por isso. Queria contar para eles, queria dizer que me sentia estranho, que minha pele coçou por dias sem nenhuma razão e que depois uma fome sinistra se apoderou de mim, me fazendo comer coisas que eu jamais imaginei. Queria contar que acordei no meu gramado com um bicho destroçado e que havia sangue em minhas mãos.
Mas eu não podia. Eles não entenderiam, nem eu entendia. Tinha medo das consequências, tinha medo de abandonar minha mãe sozinha. Eu era covarde e senti as palavras saindo como plástico quando disse:
— Tem razão Rodrigo, talvez seja isso mesmo, preciso ver um psicólogo ou terapeuta sei lá, isso vai me ajudar.
— Sim! É uma ótima ideia — Lizz disse — inclusive tem aqui na universidade de graça com os estagiários, não sei porque não pensei nisso antes, se você contar a sua versão vai pular a fila de espera rapidinho. Desculpa dizer, mas a sua história pode ser de bom uso para eles. Incidente pós traumático e tal.
Certo, farei isso.
Não acreditei nas minhas palavras. No fundo sabia que não iria. De algum modo eu sabia que eles não teriam as respostas que eu precisava, e acima de tudo temia pela minha mãe. Lizz estava sendo paciente comigo, eu sabia que ela suspeitava que algo não estava certo comigo, mas mesmo assim não me questionava, não insistia no assunto e nossas brincadeiras ficaram cada vez mais raras nestes dias. Mas sempre que possível ela pescava informações. Não era enxerida, era apenas preocupada. Rodrigo já não era assim, com ele era tudo muito oito ou oitenta, eu tinha que desembuchar logo o que me incomodava ou parar de ficar andando pelos corredores como um zumbi.
As minhas aulas não estavam rendendo, não prestava atenção direito. Sentia dores frequentes no meu braço, minha cabeça pesava, uma vez ou outra minha pele coçava sem parar, tinha sono, fome e raiva.
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O Lobo e o Peixeiro
WerewolfÁlvaro é sulista de Santa Catarina, universitário de Filosofia com uma vida tranquila. Porém tudo muda quando em certa ocasião presencia uma criatura matar um colega de faculdade durante um passeio na mata. Por pouco escapa com vida e todos dizem qu...