Capitulo Dois

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Minha mãe deixa as folhas do pareamento encima da mesa da cabeceira do meu quarto. Pelo menos assim, posso chorar enquanto preencho essa papelada de formulários.
As folhas são de uma textura bem diferente, acho que os papéis que Victor Salazar envia para as jovens devem ser fabricados dentro do palácio aonde ele mora.
Sim, ele mora em um palácio.
E sim, nos vivemos no que ele chama de democracia alternativa. Já que a democracia em sua totalidade, pro governo da Ordem, não funciona, já que nos levou a uma guerra...Nisso, eu até concordo.
Folheio os papéis cheio de linhas para preencher e minha cabeça sinaliza que até a última folha é capaz que eu surte e os rasgue.
*Preciso me acalmar* - é o que vem na minha mente, mas na realidade, não sei se consigo.
- Como será que as meninas estão se saindo? - minhas amigas Camila e Lorena também já deveriam ter recebido os formulários. Como estavam lidando?
De todas nós, Camila era a mais centrada e a mais calma. Vinha de uma das poucas famílias cristãs que existiam no país, já que os cultos religiosos foram sumindo, e Victor se tornou uma espécie de Deus no país.
Aff - digo em voz alta - uma péssima escolha para Deus e uma ofensa - a mais pura verdade do que penso.
Uma batida suave na porta sinaliza que minha mãe ou meu pai vieram ver como meus progressos estão...AÍ COITADOS!!
- Liz - diz meu pai ao abrir a porta - sua mãe me contou dos formulários. Como se sente? - ele faz sinal se pode entrar e eu aceno com a cabeça em positivo.
- Não muito bem - respondo até seca demais - mas são ossos do ofício.
Ele se senta na cama, sua expressão está até mais calma. Ele passa as mãos nos cabelos já meio grisalhos e olha para a minha janela.
- Sinto muito - é tudo que ele consegue dizer. Vejo que agora meu pai, o fotógrafo do governo, o Sr Albert Smith, está distante. - Deveria ter pensado que seria difícil pra você.
Finamente consigo olhar pra ele:
- Não e tão simples pai - digo com a voz meio embargada - mas também não o culpo.
- Não me culpa? - vejo o alívio em sua voz e na expressão que suaviza seu rosto aos poucos.
- Claro que não - tento sorrir mas tenho medo que comece a chorar - é a lei pai. Se eu tivesse que culpar alguém, esse alguém seria Victor...
- Você realmente não gosta mesmo dele não é? - ele fala isso sem julgamentos mas percebo que ele quer entender.
- Eu o odeio pra ser sincera - sai tudo fácil demais, não é mistério pra ninguém.
- Você sabe que ele salvou nosso país - ele faz uma pausa e me olha - e fez com que muitas pessoas nesse país tivessem oportunidades. Entendo sua raiva, mas acho que ele não tinha muito o que fazer.
Bufo e olho para baixo ameaçando chorar.
- Esse sistema é inadequado pai - faço uma pausa para não demonstrar o quanto isso me afeta - na minha visão somos só reprodutoras...
Meu pai parece não gostar do termo e me corta:
- Você sabe que isso é uma besteira Elisabeth - ele diz firme porém sem gritar - vocês são o bem mais precioso da nossa nação. Tem mais direitos, mais alternativas, não precisam trabalhar...
- Mais direitos? - acho que elevo a voz porque meu pai arregala os olhos pra mim - Depois de termos uma ninhada de filhos pra uma delas ser uma menina, é o mínimo que poderiam nos oferecer.
Pensei que meu pai gritaria comigo, mas ele apenas assente com a cabeça.
- Entendo o seu posicionamento- ele diz sério - mas você é muito nova para entender que há um bem maior por detrás disso tudo.
* De novo a ladainha de bem maior* - parecia as frases dos livros da escola.
- Não há bem maior sem sacrifícios Liz - ele diz isso de forma terna mas parece triste - se eu pudesse evitar que você passasse ou sentisse tudo isso, eu faria. Mas sinto que minha filha vai fazer algo de bom para o país porque ela é forte...
Balanço a cabeça e me levanto indo para a janela.
- Forte? - já não escondo mais o choro - casando com alguém que eu não amo, não conheço e não sei nem quem é...
Meu pai me abraça. Sinto conforto naquele abraço, porém ainda estou com raiva. Porque tinha que ser daquele jeito?
- Forte, porque mesmo odiando o sistema você vai dar a cara tapa. Porque você não leva desaforos para casa. Porque você vai provar pra esse sistema que é maior que eles. E isso me orgulha demais. Você é mesmo minha filha. Elisabeth Smith. - diz ele por fim ameaçando não chorar também.
- Obrigada pai - digo com a voz embargada - mas ainda estou com raiva - confesso por fim.
- Eu sei meu bem - ele diz afagando meus cabelos - está tudo bem.

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