Esgoto

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A lanterna iluminava o caminho estreito e sujo em minha frente, o esgoto por onde o chorume escorre emana um forte odor que trespassa até mesmo a máscara, me fazendo duvidar de meu objetivo, e pensar em como cheguei a esse ponto. Suspirei. O chão possuía aquela mesma substância estranha e gosmenta, com um aspecto ácido. Seguindo vi que a mesma substância se espalhava pelas paredes e até mesmo o teto, talvez somente esse esfregão não seja o suficiente para limpar essa bagunça, e droga, a quem quero enganar, não sai de casa para virar um maldito servidor público mal remunerado. Joguei o esfregão no chão, e notei que as cerdas que entraram e contato com a gosma estavam sendo dissolvidas.

— Essa merda vai sair do meu pagamento...

Nesse momento ouvi algo mais adiante. Vindo da escuridão, um som que se assemelha a um arrastar lento, como se um líquido pesado estivesse descendo o encanamento. Peguei o esfregão seguindo na direção do barulho, a lanterna coberta iluminava o caminho, podia ver os ratos que fugiam de mim e até mesmo o limo que se formava graças a umidade. Não havia nada evidente nas três bifurcações que apareceram em minha frente, peguei o mapa e consegui me localizar com dificuldade. Cada caminho levava a um ponto, aparentemente a primeira bifurcação ia para uma região residencial e o som estranho vinha do caminho que ia para um ponto de tratamento, aparentemente abandonado.

Pelo tamanho do mapa, levariam dias para limpar esse esgoto, se é que existe alguma forma de limpar um esgoto. Talvez se eu reativasse a área de tratamento, minha missão estaria concluída. Prendi a lanterna em minha cintura, seguindo com cautela.

Enquanto andava senti um líquido estranho prender em minha roupa, a queimação evidente que se sucedeu me deixou em dúvida. Não percebi do que se tratava, até ser engolfado por aquele mesmo líquido esquisito. Meu corpo estava sendo corroído pela substância, gritei, mas o som foi abafado pelo ácido que entrou pela minha garganta. Não conseguia respirar. Debati, tentando me livrar da criatura e ao sentir algo em meus pés me impulsionei para fora.

A sensação de conseguir respirar novamente era libertadora, vomitei o ácido junto a sangue e desnorteado peguei meu escudo. Agora conseguia ver a criatura iluminada erroneamente pela lanterna. Um corpo sem forma fixa com a cor semelhante ao chorume que escorre pelo meu pé, conseguia ver alguns esqueletos de ratos e humanóides flutuando pelo líquido, alguns ainda possuíam roupas e vestígios de pele. No meio de toda aquela bagunça visual o esfregão flutuava.

— Maldição... — Disse com dificuldade, — devolve essa merda de esfregão!

Antes de sequer conseguir sacar minha espada, a criatura gerou estruturas parecidas com tentáculos que voaram em minha direção. O escudo parou os pseudópodes. Me virei e corri para fora dos dutos. O espaço era pequeno demais para um combate contra aquele monstro, tinha que chegar ao centro de tratamento imediatamente se quisesse ao menos brandir minha espada. Respirei fundo retomando o fôlego, conseguia sentir meu estômago revirar. Segurei minha barriga enquanto corria, tentando impedir a dor excruciante.

A criatura se arrastava em meu encalço, aparentemente seus pseudópodes não conseguiam me atingir de tão longe, mas não poderia baixar a guarda. Depois de correr por alguns metros pude ouvir o som de água jorrando mais a frente, apressei o passo, e ao ultrapassar uma abertura cheguei ao centro de tratamento. Um lugar extenso onde os canos se conectam, e o líquido contaminado caia ao centro, seguindo para outro cano.

Virei para a entrada, me afastando a passos curtos enquanto sacava minha espada. A criatura apareceu e dois de seus pseudópodes vieram em minha direção, me esquivei com facilidade indo com tudo para cima. Manobrei minha espada desferindo dois ataques que pareciam separar a gosma, me afastei de imediato fugindo de seus pseudópodes. Os ataques se intensificaram, mas a criatura era lenta e previsível, talvez ela só conseguisse me agarrar se estivesse muito perto, então deveria me manter a uma distância segura, mas assim não conseguiria atacá-la.

Avancei e desferi dois ataques, mas quando ia recuar a criatura agarrou meu pé, tentei me livrar antes de ser puxado, mas a criatura me virou de cabeça para baixo tirando todo meu apoio. Em uma ação desesperada larguei minha espada e joguei a lanterna contra o corpo gelatinoso, o compartimento de óleo se abriu, misturando-se com o corpo gelatinoso. O som de um chiado foi emitido em alto e bom tom, a criatura se debateu me arremessando contra um dos canos, a pancada me deixou caído, mas a criatura parecia focada demais em apagar as chamas que se espalhavam.

Levantei, minha espada estava ao lado da criatura, mas ainda possuía dois frascos com óleo, saquei um dos fracos e joguei contra as chamas. A criatura urrou em dor e ensandecida avançou contra mim tentando me engolfar. Esquivei no último minuto correndo para recuperar minha espada. Agora com clara vantagem ataquei descontrolavelmente a criatura, seu corpo diminuía enquanto era cortado, seus pseudópodes tentavam me atingir, porém consegui ser mais rápido, a criatura se desfez e as chamas davam conta do resto do ácido.

Minha respiração estava pesada, a dor em meu estômago não tinha diminuído. Olhei de um lado para o outro em busca da lanterna, mas senti uma dor muito mais aguda. Uma ponta de lâmina perfurou meu peito, tentei segurá-la, porém a mesma foi arrancada com força. Toquei na ferida enquanto me ajoelhava lentamente. O que estava acontecendo? Eu ganhei a luta, não ganhei? Senti o sangue escorrer pelos meus dedos e pela minha boca. Tossi. Minha visão estava turva, mas consegui ver um homem com um manto escuro e máscara de horror, ele portava uma espada curta e ensanguentada. A figura me observava enquanto a minha vida fugia pelos meus dedos, e sem falar nada, me empurrou para o centro de tratamento. Senti a água em meu corpo antes de perder a consciência.

Caminhos de Atade: A odisseia do guerreiroOnde histórias criam vida. Descubra agora