A espada

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Acordei sentindo um peso em meu peito, levantando de súbito e olhando ao redor. Estava em meu quarto, o sol vara pela janela e seus raios batiam no chão, a escrivaninha ao lado estava abarrotada com materiais de carpintaria e dava para notar alguns resquícios de serragem pelo lugar. Minha respiração normalizava. Levantei a coberta buscando instintivamente algo em meu corpo, mesmo sem saber o que. Sentia como se tivesse deixado algo passar, tentava me forçar a lembrar, porém não tive sucesso.

Me levantei, vasculhando meu quarto. Debaixo da cama. Nada. Armário. Nada. Escrivaninha. Nada. Nada. Nada. Nada. Suspirei, olhando pela janela e avistando o vilarejo. O sol já estava alto no horizonte, ofuscando minha visão, algumas pessoas já saiam de suas casas e apagavam as lanternas de óleo e tochas. Fiquei parado. Talvez nada tenha acontecido. Talvez tenha sido apenas um pesadelo como todos os outros. Meus olhos vagavam pelo riacho que cortava o vilarejo ao meio, a essa altura o sol já tocava toda pradaria e o arado, minha mente ainda estava atordoada como se tivesse deixado algo passar, mas, me tirando do torpor, ouvi a voz de minha mãe falando que o café estava na mesa.

— Já vou! — Gritei prontamente.

Segurei minha cabeça tentando afastar a enxaqueca que os pensamentos conflitantes causavam. Peguei minhas roupas de trabalho e saí do quarto. Meus pais estavam conversando à mesa, falei um bom dia e beijei a testa de minha mãe e do meu pai, indo até a pia e lavando minha mão com a água aparada. Por um instante foi como se meu reflexo na água estivesse diferente, meu rosto estava sujo e mais envelhecido quase que irreconhecível. O semblante abatido e assustado e da boca escorria um líquido vermelho. Sangue. Joguei o balde para o lado, molhando uma parte da cozinha e assustando meus pais.

— Filho?! Tudo bem?

Não percebi quando minha mãe tinha chegado ao meu lado. Levei minha mão até o rosto, senti que algo escorria. Minha respiração estava pesada, não sabia como lidar com isso, mas não podia alertar meus pais.

— Filho?! — Minha mãe parecia mais histérica. Ela veio pegar em minha mão, mas me afastei de imediato. Talvez tenha parecido mais agressivo do que esperava pela forma que ela me olhou.

— Desculpa... Vou pegar mais água, já volto.

Saí antes que minha mãe pudesse contestar, ou meu pai falasse algo. Ele estava estranhamente quieto à mesa, como se sua mente estivesse vagando tanto quanto a minha. Peguei o balde e olhei para ele. Minha visão piscou. Estava em um lugar escuro e úmido, mas logo voltei para a cozinha.

No lado de fora a sensação de inquietação era maior. Fui até o riacho e coloquei o balde do meu lado. Molhei meu rosto várias vezes e olhei meu reflexo. Era eu. Não... Sim... Talvez?

O que faltava? As vozes do vilarejo pareciam mais distantes. O vento parece soprar errado. Meu corpo aparenta estar mais molhado do que o normal. Me questiono se esse mundo é real, se eu sou real. Sinto a grama em meu pé, sinto o sol em minha pele, porém também sinto um frio em meu peito, sinto um desconforto em meu estômago. Falta algo e eu sei disso. Vejo um vulto passar pela água, um fio de lâmina, uma espada e é como se toda minha vida estivesse destinada a isso. Fui empurrado para o riacho e mesmo que ele fosse relativamente raso pelo que eu lembrava, senti que estava afundando por uma eternidade. A água do riacho ficava mais turva, até mesmo insalubre. Via a espada se afastando pela correnteza, e eu tinha que pegá-la, mas também precisava de ar. Meu pulmão arfava por oxigênio. Precisava de ar, mas não conseguia controlar meu corpo. Precisava da espada, talvez ela fosse a resposta, mas acima de qualquer coisa, precisava respirar.

As bolhas escapavam de minha boca, minha visão ficou turva antes que pudesse me lembrar de qualquer coisa.

Caminhos de Atade: A odisseia do guerreiroOnde histórias criam vida. Descubra agora