Sem remorso

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Desde que Catarina tinha chego na casa, as coisas tinham notavelmente mudado. Não em relação a minha estadia, mas como se dava o desenvolver diário dos entes familiares.

Cristiano ficava ainda mais tempo no quarto. Só saía quando eu estava fora ou quando não, me chamava para ficar no quarto com ele. Cíntia passava maior parte do tempo com sua filha no jardim, conversando.

Catarina era uma mulher de poucas palavras. Desde quando chegou, ainda no café, nada ou pouco disse. Quando falava, eram frases ponderadas sobre uma situação. No entanto, o que mais me incomodava era a sua postura sempre rente, parecendo programada e claro, os seus olhares. Sempre com o semblante fechado, o cabelo jogado pelos ombros, as sardas e óculos como o de seu irmão, ela ficava em seu quarto ou lendo sobre a espreguiçadeira que tinha no jardim.

— Sua irmã é uma mulher bem séria, né? – comentava com Cristiano enquanto jogávamos videogame, comendo salgadinhos.

— Sim, mas... – ele respondia sem tirar os olhos da tela, como eu – eu conheço essa figura. Ela está incomodada com alguma coisa.

— Comigo, será?

— Não, não, se fosse... – Cristiano pressionava os botões com ainda mais agilidade, vendo que eu tinha tirado notavelmente sua vida – ela já tinha comentado com minha mãe ou até mesmo comigo.

— Coisas mais pessoais, então?

— Provavelmente. Ela é do tipo que esconde bem os sentimentos...merda – ele colocou o controle de lado assim que viu que tinha morrido.

— E você, o que te incomoda?

Ele coçava o queixo, suspirando e expirando por um longo tempo.

— Não é nada, é bobagem...

— Não deve ser bobagem.

Cristiano deixou escapar um gemido insatisfeito, e encarou a tela da televisão.

— É mais uma questão interna, entende? Sabe naquele dia que estávamos bebendo e eu falei de como eu me sentia incomodado com a presença dela?

Concordei com a cabeça, e ele continuou.

— Pois bem, é verdade – Cristiano deu com os ombros – toda vez que ela chega aqui, eu sinto que...Eu me sinto um medíocre, entende?

Concordei novamente. Só de ouvir aquela palavra novamente, podia sentir o mesmo que ele sentia.

— Mas por que, Cris?

— Ela é uma mulher estudada, Téo – ele apontava para a porta fechada, dando para a sala da casa – foi estudar para fora do país e tudo, e não só a presença dela como os comentários fazem com que eu me sinta um inútil.

— Sabe que não é um inútil, certo?

— É que você não chega a ver, mas quando está só nós dois, ela fica falando que isso aqui – ele apontava para o videogame – é uma perca de tempo, mesmo sabendo que eu gosto do que faço, ela fica falando "Cristiano, tem que procurar uma coisa de inútil que ocupe o seu tempo, não essas baboseiras. Vai ler um livro..."

— Acho que você tem que fazer o que quer, e não o que os outros querem.

— É – ele falava resoluto – é exatamente isso, mas, às vezes... Queria convencer minha cabeça disso.

— Sei bem...

Cristiano como sempre, riu e encostou a cabeça em meu ombro.

— Meninos – Cíntia bateu na porta – vamos jantar?

Fomos até a mesa, e a algoz de Cristiano já estava lá. Séria, anotando em um caderno várias anotações enquanto Alfredo servia o jantar na mesa.

Não tinha como ser mais desconfortável para mim do que sentar ao lado daquela pessoa. Só de olhar para ela, lembrava das palavras de Cristiano o suficiente pra começar a temer a presença da mesma com receio de algum tipo de retaliação ou comentário.

Ao Norte de lugar nenhumOnde histórias criam vida. Descubra agora