Esqueletos do armário

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— Ei, Téo?

Alfredo bateu na porta do quarto antes de entrar enquanto conversava com minha mãe.

— Sim?

— O Tadeu ligou para avisar que amanhã sai o resultado, e que ele quer que esteja presente.

— Claro...

— Amanhã de manhã, tá bom? – ele fez um sinal positivo, e assenti, saindo do quarto.

— Oi, mãe. Não, é que amanhã sai o resultado...Eu não sei, mãe, quero que ele se...sim mãe, não ligo pra ele. Pare de comparar nós dois! Sim, eu também sinto sua falta, todos os dias. Ah, ela está mais tranquila.

Bateram na porta novamente, mas não avisou quem era.

— Pode entrar...não, mãe – ria com nervosismo – eu não vou fazer isso.

— Está ocupada?

Virei ao notar que era a voz de Catarina.

— Não, eu só estou... – procurava as palavras na hora – falando com minha mãe. É a Catarina...Sim, ela mesmo. Olha, conversamos depois. Sim, beijo, também te amo. Manda outro abraço pra titia.

Desliguei o telefone envergonhada pelo comentário da minha mãe, e torci para que a mulher que estava encostada na porta me encarando não tivesse ouvido.

— Você é boa com plantas? – perguntou Catarina, olhando o quarto de um lado a outro. Era a primeira vez que entrava ali.

— Eu costumo ajudar a minha avó no quintal dela – colocava o telefone de volta na cama – Serve?

— Então, tem como me ajudar ali no jardim? Meu pai está ocupado e a mamãe saiu com umas amigas, e o Cristiano... – ela deixava o ar descontente sair – nem se conta.

— Claro, sem problema.

Fomos até o jardim, em uma parte mais adentro entre as árvores, e ali tinha um pequeno lugar coberto com vários vasos de plantas que reconheci no mesmo instante.

Apontou para o redor, e pude perceber que tinha os mais variados tipos de plantas. Flores que eu já tinha visto, mas não recordava o nome, que desabrochavam naquele clima tropical de pós-chuva, o cheiro de terra molhada que ficava ainda mais evidente quando Catarina enfiou suas mãos na terra e começou a colocar punhados nos vasos vazios que tinha ao redor.

— Como posso te ajudar?

— Vamos colocar essas aqui – ela apontou para vários vasos um ao redor do outro – em vasos maiores. As raízes delas já estão saindo.

O lugar não parecia ser o melhor cuidado dali, diferente do jardim esplendoroso que estava atrás de nós. Catarina, que arrumava os óculos, olhava para tudo aquilo pacientemente.

— Isso aqui é seu?

— Ficou para mim – ela dizia enquanto se sentava em um apoio de madeira que tinha ali. Sentei-me à sua frente e comecei a mexer com a terra, seguindo os passos que lembrava de ter ajudado a minha avó, sobre o tanto de substrato e terra que deveria ser usado, entre outras minúcias – Mexer aqui tem um efeito terapêutico em mim

— Eu não entendo tanto dessas coisas, mas entendo isso de ter o carinho. Faz a diferença no cuidado, né?

— É... – Catarina dizia com a cabeça baixa – escute, Téo...

Era estranho vê-la me chamando pelo apelido. Levantei as sobrancelhas, surpresa, mas ela não notou, e continuou a falar.

— Quer me contar como foi sua infância?

Catarina mexia com a terra, pacientemente, enquanto eu refletia sobre sua pergunta.

— Minha infância? Bom... – pressionava os lábios, pensativa – foi normal, eu acho. Meio solitária, mas normal – ria com certa vergonha.

— Tinha muito coleguinhas ou coisa assim?

— Alguns – colocava uma das plantas no vaso entre minhas pernas – eu sempre fui mais na minha, sabe? Mas eu tinha uns bons colegas que tenho contato até hoje.

Catarina ficou em silêncio, pensativa enquanto pegava uma muda e a transplantava a um vaso coberto de terra.

— E você?

— Fui a criança estranha quatro-olhos que passava o tempo todo dentro da biblioteca da escola – ela dizia taciturna – e não ficava muito na rua, passava maior parte do tempo aqui. Quando o Cristiano nasceu, não foi muito diferente.

— Sua família é pequena como a minha?

— O legado da família Martins na vai muito mais longe do que isso... – disse ela em um riso irônico.

Voltamos a ficar em silêncio, mas se o assunto familiar tinha vindo à tona, tinha algo que tinha que pergunta.

— E o seu tio, não vem visitar vocês nem nada? Ele mora fora?

Catarina parou de mexer no que estava mexendo e me olhou séria.

— Sim.

— E ele não tem filhos? Nem vem visitar vocês?

Catarina ao me olhar, começou a rir. Não uma risada de deboche, mas uma risada pesarosa.

— Se montarmos uma mesa branca no meio da sala e chamarmos, pode ser que ele apareça.

Olhei com receio, sem entender onde ela queria chegar com aquele comentário.

— Ele morreu.

— Sinto muito, Catarina – dizia com a mão no pescoço, constrangida – eu não queria...

— Relaxa, não teria como tu saber mesmo... – ela respondia dando de ombros – Ninguém fala disso nessa casa, enfim.

Ela parou de mexer nas plantas, se sentou no gramado e ficou observando sem dizer nada. Fiz o mesmo.

— Sente falta dele?

Suspirou fundo, e se virou pra mim. Seu semblante havia mudado completamente.

— Bastante, mas... Não é o tipo de coisa que eu fique falando por aí.

— Por que não? – cerro as sobrancelhas, encarando-a – Acha que não posso entender o que você sente sobre isso?

— É mais complicado do que tu imagina... Só isso.

Catarina olhou para mim novamente, e retribui o olhar.

— Não sou uma profissional, mas sou uma ótima ouvinte.

Catarina riu em silêncio, me olhando de canto, e eu, por algum motivo, fazia o mesmo.

— E não me importo nem um pouco em te ouvir.

— É... – Ela continuava com o sorriso irônico – Mas, isso vai ficar pra outro dia.

Ela deu um suspiro baixo e balançou a cabeça.

— Agora entendo o motivo de Cristiano ter te defendido com tanto afinco.

— E qual seria?

Ela respondeu jogando terra em mim, rindo. Fechei a cara e fiz o mesmo com ela, ignorando completamente o assunto que tínhamos trago à tona e se voltando paras as atividades manuais o resto daquela tarde.

Ao Norte de lugar nenhumOnde histórias criam vida. Descubra agora