Se você pudesse

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— Talvez esteja começando a pegar gosto em estar aqui – Catarina me olhava de relance enquanto mexia curiosa em sua coleção de discos, herança do seu tio.

— Você diz... – tentava tirar um minuciosamente da capa que o envolvia – De ficar com Tadeu?

— Por que não? – ela gesticulava para mim o jeito certo de mexer naquele objeto – Seu pai aparentemente está se esforçando pra ter uma boa relação contigo.

— É, mas em compensação – coloquei o disco no local para tocar – ele vai continuar com essa história de assumir o meu papel na família e sei lá o quê...

— Não gosta da ideia de ser dona de pelo menos dois lotes de terra e algumas dezenas de cabeça de gado? – ela dizia com ironia, indo mexer no som da forma adequada.

— Acho que ainda não consigo ter noção do que é exatamente isso.

O som saía como se tivesse pequenos riscos nele, mas, ainda assim, parecia ter tomado todo o espaço ao nosso redor.

— Significa que você tem dinheiro pra deixar sua família materna confortável por pelo menos três gerações – e se voltou pra mim – Só pra começar.

— E isso é tão importante assim? – perguntei dando os ombros – Não digo de dar o conforto para elas, mas... Dinheiro, terras, status?

Catarina fez uma cara pensativa colocando a mão no queixo, e depois concordou que sim, era.

— Pra sua família paterna? Com certeza. Não tem uma coisa que aquela miserável que tu vai chamar de avó goste mais do que status e glamour – e apontou pra mim – primeiro, que ela vai jogar todas essas tuas roupas fora e comprar outras. Então, quando você tiver impecável, ela vai te levar pra conhecer a alta sociedade daqui e provavelmente te negociar em algum casamento arranjado que seja vantajoso para todos, claro, vai ter que ser com um homem, não podemos esquecer desse pequeno detalhe.

— Para, Catarina – respondia com uma careta, negando freneticamente – que coisa horrível.

— Só digo isso porque foi exatamente o que ela fez com teu pai – Catarina se sentou, rindo da minha reação – ele não queria casar, ela foi lá e obrigou.

— Do jeito que você fala – continuava negando com a cabeça – sinto que quando ela me ver, vai no mínimo me apedrejar me chamando de bastarda ou minha mãe de golpista...

E ela me olhou como se realmente isso fosse acontecer. Só sentia o calafrio tomar conta dos meus ombros pensando se, na pior das hipóteses, algum dia isso realmente acontecesse entre nós.

Não demorou para que Cíntia batesse na porta, avisando que meu pai já estava chegando e que não tinha conseguido falar comigo para avisar, e logo saísse.

— Até mais tarde – disse ela enquanto rapidamente tocou seus lábios com os meus.

Tirando as ansiedades que se causavam com as hipóteses que inundavam minha cabeça sobre qual seria minha real recepção entre minhas desconhecidas familiares, não tinha o que reclamar dos meus dias ali, mesmo que eles tivessem se tornado parecidos.

Eu e meu pai assistíamos com afinco minha série preferida sobre brigas familiares por um trono, e quase toda vez ele falava que se identificava com a casa dos dragões, mas eu falava que, pelo que me contavam, era mais para os dos leões, e logo ele se viu tão preso na trama quanto eu.

Quando não assistíamos, saíamos pra comer e conversávamos sobre a vida. Tadeu era um homem muito envolvido com história, e sempre falava das coisas que sabia. Dizia ser muito curioso e sempre tinha alguma coisa pra acrescentar sobre qualquer assunto.

Ao Norte de lugar nenhumOnde histórias criam vida. Descubra agora