Herdeiros renunciados

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— Não precisa ter medo, ele não vai te morder.

Tadeu ficava ao meu lado enquanto tentava acariciar a cabeça do cavalo, parado em sua cocheira. Aproximei minha mão de seu focinho, e ele não se mexeu. Levantei minha mão para tocar o topo de sua cabeça, e ele continuou quieto.

— Ele é bonzinho.

— Percebi – ria com notável nervosismo.

Saímos do lugar do descanso dos cavalos e caminhamos nos entornos do pasto, onde algumas vacas descansavam com seus bezerros nas sombras das árvores do espaço, outras pastavam calmas, seguindo com seus olhos o caminho que fazíamos. Algumas se aproximaram, e Tadeu passou a mão na cabeça delas, sem temer nada.

Gesticulou para que eu também fizesse o mesmo, e uma delas lambeu minha mão. Apesar disso, a experiência estava sendo muito legal. Tínhamos tomado café juntos e o clima da manhã estava fresco o bastante pra poder caminhar sem problemas por conta do calor.

— Sinto paz em estar com eles – ele continuava acariciando a cabeça de uma das vacas – às vezes, acho que me entendem mais do que as pessoas.

— Eu imagino – olhava para a cena dele com os animais – mas, o senhor vende esses?

— Não – ele fazia uma careta quase ofendido – esses são nossos. Os de venda ficam na outra.

— E gosta do que faz? – perguntei ainda encarando a eles – Ou aprendeu a gostar, não sei...

Ele virou para mim, me encarando sério.

— Eu aceitei que, às vezes, não temos realmente querer, e sim o que deve ser feito.

Suas palavras soavam melancólicas e cansadas.

— E acho que não tem isso de aprender a gostar, sabe, Teodora? – Tadeu me olhava de relance, ainda esfregando com a ponta dos dedos a cabeça da vaca à sua frente – A verdade é que nos acomodamos e dizemos a nós mesmos que gostamos pra não ter que ficar pensando sobre...

Era estranho ouvir aquilo porque era dolorosamente verdadeiro. Olhei-o mais uma vez. O semblante exausto presente, mas, ainda assim, estava ali.

— Por isso que ainda não entrei no assunto a respeito do seu papel nessa família.

— Como? – cerrava os olhos.

— De qual forma você vai contribuir para os nossos negócios – ele se voltou pra mim, sério – se será junto a mim, ou se...

— Mas... – isso não soava com sentido – Por que?

— Porquê és minha filha, Teodora – dessa vez ele franzia a sobrancelha, quase confuso – é esperado que...

— Não, Tadeu – ria tão confusa quanto ele – não é isso que quero. Eu vim pra conhecer meu pai e voltar pra casa. Só estou passando mais tempo aqui a pedido do senhor.

— Como, Teodora? – dessa vez era ele que ria com ironia – Agora eu que te pergunto o que está falando...

— O senhor não pode chegar assim pra mim e falar "olha, essa é sua vida agora e acabou" – respondia séria – e a minha vida lá? Minha casa? E minha família?

— Você quer me dizer que... – ele pressionava as mãos contra a boca em forma de reza – Prefere voltar pra lá do que ter uma vida em que se pode ter tudo aqui?

— Se essa vida fosse tão boa – dizia entre os dentes – por que o senhor foi pra fora e inventou uma outra pra minha mãe?

Minhas palavras devem ter soado a ele como um soco em seu estômago, mas, não deixava de ser verdade. O mesmo homem que queria fugir do seu destino e acabou o aceitando agora sugeria o mesmo a mim, que sequer sabia disso.

Ao Norte de lugar nenhumOnde histórias criam vida. Descubra agora