Tudo é perigoso

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― Sua vida parece uma história cheia de clichê... – dizia Catarina com sua notável ironia, enquanto trocava de roupa de costas para mim. No mínimo, provocante, enquanto só me prestava a desviar o olhar para a janela e brincar com a bola de tênis que minha tia usava para o stress.

― Como?

― Tu vai pra outra cidade atrás do teu pai, aí descobre que ele tem dinheiro, a família dele te odeia...

Ouvir aquilo ainda me incomodava, mesmo que fosse verdade, ou nem tanto. Minha tia Patrícia parecia simpatizar bastante comigo, já o resto...

― Então, você chega e descobre que talvez só quiseram impedir o romance dos teus pais porque ele vinha de uma família rica e a sua mãe uma proletariada qualquer... – ela dizia dando com os ombros, colocando a outra camisa por cima de sua regata. Mesmo dentro de casa, fazia frio.

― Esqueceu da parte em que a filha mais velha do pessoal que a recepcionou veio até aqui só porque não conseguia dormir longe dela...

― E já sabe o que fazer agora?

― Em relação a...?

― Sua vida – Catarina deu breve passos antes de se sentar do meu lado, arrumando a gola do meu moletom – vai ficar aqui, vai voltar comigo quando eu for... Como vai ser?

― Eu não sei, eu... – suspirava baixo – Não consigo entender como minha mãe não aceita o fato de que simplesmente a mãe do Tadeu não quisessem eles perto um do outro e...

― Mas, assim, Téo – ela cruzava as pernas, me encarando de soslaio – vamos aos fatos. Eu sou uma jovem que me apaixono por um carinha que parece ser maravilhoso, mas, aí ele some, descubro que estou grávida dele, procuro amparo e me deparo com uma família controladora por trás. Em nenhum momento – ela frisa a última parte – ele vem pra saber nem como ela está.

― E se a mãe dele só falou que...

― O pouco de convivência que tenho com sua mãe já deixou evidente que ela é orgulhosa, do tipo que jamais abaixa o tom pra falar com alguém – seus dedos se entrelaçavam um com o outro enquanto ela continuava falando – e se uma escrota vem falar que, provavelmente, conhecendo tua avó do jeito que ela é, deve ter falado no mínimo "dou quinze cabeças de gado, uma casa e quinze mil reais pra você abortar essa criança e fingir que nada aconteceu".

Catarina falava as coisas de uma forma direta demais, crua, analítica.

― E, pelo que deu pra concluir, ela não aceitou, mandou sua avó se foder e, pra evitar que tivesse problemas lá pra frente, escolheu ignorar tudo que fosse relacionado ao seu pai, além do que falei ainda agora... – e se aproximou de mim – Se ele gostasse dela, em sua visão, ele viria atrás dela nem que fosse pra perguntar como ela estava.

― Pois é – dizia com certo amargor, colocando a bola de lado e encostando meus dedos nos seus joelhos cobertos pela calça moletom escura – isso não soa muito egoísta?

― O amor é egoísta, Teodora – ela deu um sorrisinho de canto – e quando se trata de família, pior ainda. Acha mesmo que tua mãe ia deixar você ter contato com esse pessoal? Se é difícil pra ti já uma adulta, imagine criança, e outra... Seu pai é um covarde, tenho certeza que ele te ama e faria de tudo pra ter contato contigo antes se soubesse, mas o medo dele é maior.

― Acha que, se eu voltar pra lá pra mostrar pra ele o que aconteceu, ele... – engolia em seco mais uma vez – Não vai fazer nada?

― Não colocaria minhas mãos no fogo por ele... Tanto que, se é eu que estou aqui ao invés dele, deve ser porque, pro teu pai, é mais fácil alguém que ele tenha proximidade estar aqui e certificar de que está tudo bem do que ter que encarar a verdade de fato.

Ao Norte de lugar nenhumOnde histórias criam vida. Descubra agora