Podia se sentir o clima de tensão que emanava no café da manhã, principalmente por Catarina não ter ido tomar café conosco. Cíntia disse que era porque ela tinha ido caminhar no começo da manhã, e que ia comer fora. Cristiano ainda estava de cara fechada, mas ainda assim ficamos no antiquário passando o tempo.
— A Catarina pode ser escrota do jeito que for que nunca acontece nada, é incrível... – ele murmurava consigo.
— Deixa isso pra lá.
— Como? – ele cerrava as sobrancelhas – Ela fala um monte de merda, e sempre procuram uma justificativa dizendo que esse é o jeito dela, que o estudo a tornou assim, qualquer coisa. Isso quando não ignoram o que está acontecendo.
— Eu falei um monte pra ela também – confessei – então...
— Como? – ele perguntava curioso – Quando?
— Ontem de noite, ela estava lá fora e ficou me questionando de umas coisas. Daí acabei falando o que estava pensando...
— E como foi isso? – ele sentou-se no balcão, como costumeiramente fazia.
— Foi...estranho. Eu só fiquei falando e falando e ela me olhando sem falar nada. Olha, Cris... – dizia reticente – eu não quero confusão com sua família, de verdade. Vocês são tão maravilhosos comigo, eu só quero deixar isso pra lá.
— Não se preocupa com isso, Téo – ele apoiava sua cabeça em meu ombro – ela nunca foi fácil de lidar mesmo.
Acariciei sua cabeça, bagunçando levemente os fios de seu cabelo. Ele fechou os olhos, deixando os óculos penderem para frente.
Catarina apareceu na porta. Com seu cabelo solto, usava óculos de sol e uma regata, com uma mochila de lado. Olhou em nossa direção por um longo período, sem dizer nada, a ponto que me sentia desconfortável. Cristiano não reparava, e só abriu os olhos quando ouviu os passos da irmã se aproximando.
— Cristiano – ela disse em sua voz séria, trocando os óculos de sol pelos de grau – posso roubar a sua...amiga, por uns minutos?
Senti meu corpo se arrepiar de temor. Cristiano, reticente, olhou para nós e desviou o olhar somente para ela.
— Tem que perguntar para ela, não a mim.
— Sem problemas – disse de antemão, tentando ao máximo evitar atrito.
Caminhamos sem dizer nada uma para a outra. Eu não tinha sequer coragem de olhar para ela depois do que tinha acontecido. Sentia vergonha demais para levantar o olhar. Seguimos andando até o jardim de sua casa, lugar onde ela mais costumava ficar, e ela realocou-se em sua espreguiçadeira.
Olhei surpresa. Não esperava por aquelas palavras.
— Talvez eu não tenha sido empática com sua situação e te deva desculpas.
— Eu...
— Não, não fale nada – ela interrompeu-me por um momento – só aceite minhas desculpas, e não vou mais causar desconforto em sua estadia. Pode ser?
Concordei envergonhada. Só o jeito que ela me olhava já me deixava sem jeito, mas, fiquei agradecida por ela ter falado isso.
— Eu...tenho que voltar lá com o Cris – apontei para trás, e ela voltou a sua leitura, e eu voltei para onde estava.
*
Catarina me causava uma curiosidade que fazia com que meu corpo formigasse. Ela sempre estava com aquela postura impassível, mesmo naquele dia, que estava fazendo um calor maior do que o habitual pela tarde. Ela estava sentada no mesmo lugar, tomando um refresco feito pelo pai que cuidava do jardim, enquanto a mãe tinha saído e Cristiano estava no quarto, jogando uma partida que segundo ele, não podia perder por nada.
Eu a olhava da cozinha, pela janela. Catarina usava uma regata folgada que mostrava seus braços e as sardas evidentes em seu corpo, assim como a tatuagem que tinha no braço esquerdo. Ela se espreguiçava, deleitando-se em suas anotações. Vez ou outra, jogava o cabelo para trás, ajeitava os óculos e voltava para o caderno. Tudo isso era embalado pelo disco de vinil que Alfredo tinha colocado para tocar por uma música que desconhecia.
— Algum problema, querida? – Cíntia disse atrás de mim, fazendo com que eu me assustasse e desse um pequeno pulo, com ela rindo da minha ação.
— Não, é que só...estava olhando mesmo.
Ela colocou em minhas mãos algo parecido com o que Catarina também tomava, e ficou ao meu lado, analisando o que eu também via.
— Sabe, eu ainda não me desculpei pelo que aconteceu no almoço... – Cíntia disse com uma voz triste – você não deveria ter passado por isso.
— Não se preocupe com isso, sério – tentava dizer de forma animada – já passou.
Cíntia tomou o conteúdo do seu copo pela metade, e logo soltou um breve suspiro.
— As coisas nunca ficam muito fáceis quando a Cacá está por aqui... Ela é muito geniosa.
Desviei meu olhar para ela, analisando suas feições enquanto ela continuava a falar.
— Ela e o Cris brigam muito, sabe? Ela tem um modo de ver o mundo, e o Cristiano outra, e ela parece não entender muito bem isso. Acho que isso vem muito desse senso de proteção que ela tem com ele, essas coisas de irmão, mas... Eu não quero que você se sinta incomodada. É a última coisa que desejo. Eu tive uma conversa séria com ela e...
— Ela me pediu desculpas, já está tudo bem.
Cíntia olhou para mim curiosa.
— Ela – apontou em direção a filha – pediu desculpas?
Concordei com a cabeça, e Cíntia riu.
— Realmente, essa ida para fora mexeu com a cabeça dela.
— Eu não vejo problemas assim porque, bem... – tentei ponderar o que poderia dizer – o Cris comentou por alto que ela pode estar incomodada com alguma coisa. Eu pensei que era comigo, e...
— Não, claro que não – ela dizia seriamente – a Catarina nunca fala o que está acontecendo. Sempre é séria assim, não é nada contra você, querida, pode ter certeza.
Encarei-a mais uma vez, e ela continuava a ver suas anotações.
— Só uma pessoa conseguia decifrar aquela cabeça – ela confessava.
— Quem? – perguntei curiosa, e ela sorriu, afagando minha costa.
— Cíntia, me ajuda aqui com os sacos? – Alfredo disse de antemão, sorridente e suado – Você também, Téo.
Desviamos o caminho e fomos para o jardim, deixando o assunto para lá assim como Catarina, que continuou focada em suas anotações.
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Ao Norte de lugar nenhum
RomanceDepois de uma grande desilusão, Teodora vê sua vida mudar de cabeça pra baixo ao descobrir da existência do seu até então desconhecido pai. Ao embarcar nessa aventura em um novo mundo de relações, conflitos e questionamentos, ela irá aprender, do se...