Prólogo - Ad superficiem, ad fundum

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Eu não tenho certeza se quando enviaram as sondas Voyager, com seus discos dourados contendo informações sobre a Terra e a humanidade, os cientistas esperavam realmente que alguém respondesse.

Embora houvesse a esperança de que num universo de proporções infinitas em algum lugar existisse uma outra Terra, a teoria mais aceita é que a vida neste planeta corresponde àquele ditado de "um em um milhão".

Nunca encontramos um sol parecido com o nosso. Nunca encontramos um planeta propício à vida fora do sistema solar. Ter vida não é a regra, mas um desvio da curva, uma exceção dentre as exceções. Mas os humanos costumam errar quando a ideia é construir uma teoria significativa sobre a própria humanidade. Não foi divulgado nos jornais durante 70 anos, depois que as sondas atingiram o espaço profundo, mas tivemos respostas discretas.

A justificativa para a demora do ato de revelar foi o receio de que todos os escritores de ficção científica tivessem razão. De que justo na primeira chance de contato com outra espécie capaz de desenvolver tecnologia interespacial fosse colonizadora. Depois que Mandachuva ganhou, para minha imensa felicidade e eu estava pronto para tatuar o nome dele no meu braço, a invasão começou.

Todo mundo sempre achou que eles viriam do céu. Que as nuvens iriam rachar e através delas desceriam discos voadores. Ledo engano. Nós conhecemos bem mais a superfície da Lua de que os nossos oceanos.

Interromperam o discurso do primeiro domingo, algo tradicional feito por todos os presidentes empossados oito dias depois dos resultados das eleições, para dar a notícia de que os moradores das ilhas de Tristão da Cunha foram "convidados" a se retirarem mediante pagamento de indenização coerente.

Chason estava comigo vendo essa notícia e se mostrou anormalmente preocupado. Empalideceu e começou a tremer as pernas, claros sinais de ansiedade e medo. Eu notei que toda notícia sobre os estranhos visitantes vindos das profundezas e do universo causava essa reação assustada no meu namorado. E eu entendo o terror dele. As três ilhas foram tomadas por criaturas batráquias que embrulhavam meu estômago.

Uma densa neblina tomou os arredores depois que todos os moradores saíram e não se via mais nada lá dentro. Nem por satélite. Engoli em seco quando mostraram os vídeos dos tais seres avançando do mar para as ilhas. É como se a água estivesse viva por si só, como se ela fosse um organismo racional e terrível. Eu desliguei a televisão porque não queria mais saber desse pesadelo que fez o mundo prender a respiração.

É como se todos os seres humanos do mundo fossem se afogar ao mesmo tempo e juntos.

A invasão era real. Tão real quanto a vitória do Mandachuva.

Aliens. Deus do céu, aliens. Eles rasgaram um dos nossos mares, brotaram de suas profundezas usando portais interplanetários semelhantes aos que nós, daqui da Terra, usamos e estão conosco, nadando nos oceanos como se fosse normal. Aliens.

O que é que está nos acontecendo?

Por que não começou algum movimento contrário, como uma represália dos exércitos contra essas criaturas?

Será que estão todos tão petrificados que perderam o poder de ação?

Mais tarde, depois que eu me aprontei para ir ao plantão no hospital-universidade onde trabalho, fui para a sala e Chason estava de novo encarando a televisão, pois passava o telejornal e a matéria era uma reportagem sobre o Reino Unido e a Argentina.

Eu parei perto do sofá para saber o que os âncoras apresentavam.

-Os governos da Argentina e a Coroa Britânica enviaram comissões de diplomatas e militares para Tristão da Cunha. O objetivo dos grupos é conhecer essa nova espécie vinda dos oceanos. - dá para perceber o medo nos olhos escuros do jornalista, que faz um enorme esforço para esconder. - Ainda não está claro qual o interesse dessas criaturas em nosso planeta, mas todos os governos pedem para não interagir até haver alguma certeza.

Sob a TempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora