A grande Dama

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Khalid passou o resto da noite imerso em pensamentos sombrios, incapaz de entender por que o Grande Chacal sussurrava o nome de Willa. As almas que ele colhia sempre tinham um propósito: um sacerdote ou mago que havia cruzado a linha da magia, um político ou militar tocado pela cobiça a ponto de ameaçar a segurança do reino, membros do alto clero envolvidos em conspirações nefastas, ou outros amaldiçoados por deuses causando problemas. Sempre havia um motivo, mas no caso de Willa, não havia nenhum. O que mal uma menina sozinha no mundo poderia causar?
Um nó se formou na garganta de Khalid quando ele percebeu que há muito tempo não refletia sobre as ordens de Anúbis, e nem deveria, afinal, ele era um Deus, parte da eneade egípcia, e jamais deveria ser contestado. Ele forçou a garganta, engolindo junto com a saliva qualquer resquício de dúvida. Tinha ordens a cumprir.

Levantou-se antes dos primeiros raios de sol cruzarem as frestas da janela e admirou por instantes a coleção de facas e punhais amontoados sobre um balcão de vime trançado. Pegou uma delas pensativo e caminhou até o quarto da garota, porém, este estava vazio. Ao descer as escadas, deparou-se com a jovem cantarolando uma música sobre uma cabra dançarina enquanto tentava alimentar o fogo.
Diferente dele mesmo que quando perdeu a sua família encheu seu coração de ódio e desejos de vingança, Willa permanecia pura, boa e gentil. Vinha tentando manter o máximo de distância, a tratando com rispidez e desprezo, mas ela continuava a cuidar com zelo dele, mesmo depois de encarar sua face mais maligna, era perturbador saber que teria de mata-la.

一 Senhor Khalid, ainda é muito cedo 一disse ela, voltando-se para ele.

一É. O que faz acordada? 一 Khalid perguntou, estranhando afinal a garota sempre dormia demais.

一 O senhor sempre acorda cedo, e devo estar em pé antes que acorde. Eu vou preparar seu desjejum 一 ela respondeu, voltando ao fogão. Khalid largou a faca sobre a mesinha e sentou-se sobre a almofada em seguida.

As palavras do deus ecoavam em sua mente, pesadas como o próprio destino: assassinar uma menina, um sacrifício exigido pelos desígnios divinos. Khalid sabia que sua imortalidade não o eximia das demandas dos deuses, mas ainda assim, o peso da decisão oprimia seu coração. Willa serviu-lhe um disco de pão com figos aquecidos no forno e continuou seus afazeres domésticos enquanto Khalid mergulhava em suas memórias, lembrando-se de cada vida que atravessara, cada alma que encontrara. Será que aquela criança merecia tal destino? Será que ele, um ser eterno, tinha o direito de ceifar a vida de outro ser tão jovem? Ele sabia que não podia fugir de sua sina se quisesse se libertar daquela maldição, mas também compreendia que a verdadeira imortalidade residia na capacidade de escolha, na liberdade de determinar seu próprio caminho, mesmo que isso desafiasse os deuses. Com um suspiro pesado, Khalid olhou para a faca, ele seguiria as ordens de Anúbis, mas não sem antes questionar seu propósito, não sem antes honrar a vida que estava prestes a extinguir.

De repente, um barulho na porta lhe tirou de seus pensamento e um mensageiro entrou apressadamente na residência assim que ela foi aberta. Com o peito arfante e os olhos fixos em Khalid, o mensageiro começou, recuperando o fôlego.

一 Fui enviado pelo palácio com uma mensagem de suma importância.

Khalid se endireitou em postura e com uma expressão séria indicou sua prontidão para receber a mensagem. O mensageiro adiantou-se, entregando um pergaminho cuidadosamente selado.

Willa observava discretamente de perto do fogão a interação entre o general e o enviado do palácio, notando a ansiedade de seu senhor ao receber a visita inesperada.

一 O que é isso? 一 Khalid indagou, estendendo a mão para pegar o pergaminho, sua voz carregada de curiosidade e autoridade.

一 É um convite, senhor, 一o mensageiro respondeu, inclinando-se respeitosamente diante do general. 一 Uma convocação para a festa de anúncio do nome do príncipe herdeiro.

A Espada de Anúbis - REESCREVENDO Onde histórias criam vida. Descubra agora