May Silverton
Eu costumava rezar, buscando uma salvação para este purgatório que chamamos de mundo. Todas as noites, lágrimas como súplicas molhando meu rosto e aquecendo a minha alma fria, tomada pelo esquecimento. Acreditava que havia esperança no oculto. Em algo que habitava além da nossa imaginação. Além do céu e estrelas. Mas os dias e noites eram como férias passadas no inferno, onde era unicamente consolada pelo demônio e fadada a ouvir suas risadas, zombando da minha fraqueza e patetismo. E aqui estou eu... perdida num ciclo interminável de dias e noites como pesadelos que custam em me assombrar.
— Faça o seu trabalho direito, sua asquerosa e ser imundo! — a fêmea mais velha esfrega um tecido molhado com água suja em meu rosto, além de estar pegajoso pela gordura preparada dos alimentos, e logo sou cercada por murmúrios das acompanhantes¹, que presenciam a cena.
Me engasgo com a água e tusso freneticamente, enquanto a ânsia sobe pelo tanto que consumi em tão pouco tempo. Lágrimas inundam os meus olhos e meus pulmões queimam. Sou empurrada violentamente contra o chão, caindo com um impacto doloroso. Apoio o peso do corpo nos braços, protegendo o rosto de uma lesão pior. Estou arranhada e suja, com o olhar de nojo e julgamento de todos que assistem a cena constrangedora. A humilhação é evidente, mas a dor que corrói minha alma é ainda mais profunda. Sinto falta de casa, do papai, da sua comida quentinha antes de dormir e da felicidade que um dia experimentei ao seu lado. O que eu fiz de errado para merecer tudo isso?
— Devíamos ter vendido essa maldita como presente aos escravos de Ambolye². Eles saberiam exatamente o que fazer com essa inútil, e não sobraria nada dela.
— Presente seria uma ofensa aos mesmos. Não queremos puni-los com algo tão grotesco como esse. — alguém responde, com entoação enojada.
As fêmeas se retiram da tenda, deixando-me sozinha após abaixarem o véu fosco que serve de porta para a tenda. Com dificuldade, me levanto, batendo a poeira das minhas vestes e recolhendo o pano que usaram para me humilhar. Aqui, não tenho identidade, não sou tratada como humana ou, como um deles, mas como um mero animal. Ou pior. Fui encontrada quando tinha apenas dezesseis anos, ou talvez mais. É difícil saber quanto tempo passou quando se está preso em uma nave vagando sem rumo pelo espaço. No início, meu destino era ser vendida como escrava sexual, mas dona Ixia me trouxe para o acampamento de acompanhantes, quando todos os lugares, sendo nobres ou não, me dispensaram. Diziam que eu era feia demais, estranha, como um animal. E talvez, nunca pensei que diria isso, mas ser considerada feia tenha me salvado pelo menos uma vez na minha vida. Pensei que seria treinada para ser uma delas, como as outras, mas agora, aos vinte anos, continuo limpando o chão e as fezes jogadas propositalmente em mim.
O acampamento de acompanhantes, chamado Yalak, está situado em Xal'zar, uma área próxima ao primeiro dos quatro reinos, Klaystaros, no norte. É um lugar muito procurado pelos machos da região. Para ser sincera, eles não são exatamente homens ou mulheres, mas eu os vejo assim, pois suas aparências não diferem muito das humanas, exceto pelas presas, orelhas pontudas e um odor cítrico que exalam. Cada raça aqui, possui uma característica única, e isso que mais me impressiona. Eles se referem uns aos outros como fêmeas e machos, e aqui, as fêmeas são usadas exclusivamente para reprodução ou prazer.
Termino de limpar o chão e a água suja que se espalhou. Ao sair da tenda quente, percebo que muitas das acompanhantes estão com seus mestres — os machos são chamados assim quando estão sendo servidos em Yalak — servindo-os ao ar livre. O som perturbador de corpos se conectando ecoa por todo o acampamento. Tento ignorar, como sempre.
— Por que está gritando? Maldita!
Um mestre, que estava com uma acompanhante — uma fêmea de pele mais escura do que as outras e com alguns fios de cabelo trançados — sai arrastando-a pelos cabelos. A acompanhante nua grita desesperadamente, mas ninguém a ajuda. Guardo a vassoura improvisada, feita de folhas secas, no local de costume, enquanto ouço os sons abafados de seu rosto sendo espancado. Embora este seja o paraíso da consumação para os mestres, existem regras que foram adaptadas ao longo do tempo, e eventualmente, eu acabei as decorando.
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Entre Mundos
Romance(Nova versão disponível!) Conteúdo adulto| Monster romance +18| May, é uma jovem tímida e ingênua, que fora levada de seu planeta natal para um lugar hostil e desconhecido, ainda quando jovem e inocente. Sendo submetida à condições de trabalho força...