May Silverton
Era cedo, e os primeiros raios dos sóis começavam a se despontar no horizonte, lançando uma luz suave que iluminava parcialmente a paisagem ao redor. As árvores próximas farfalhavam ao sabor do vento, e o frio do inverno que se aproximava fazia com que eu me encolhesse no chão, buscando algum calor. Tossia e espirrava com frequência, sintomas de uma gripe que ameaçava se agravar. Eu sabia que uma raíz que crescia perto do rio poderia aliviar os piores efeitos da doença, mas precisava encontrar um momento adequado para buscá-la mais tarde.
Minutos depois, já estava imersa no trabalho. Mesmo cansada e com o corpo dolorido, me esforçava para esfregar as vestes das acompanhantes. Yalak estava lotado, pois hoje haveria uma grande festividade em homenagem aos soldados que haviam lutado bravamente contra o exército de Krozar, defendendo o reino com as suas próprias vidas. Enquanto esfregava as vestes com as mãos, podia ouvir a agitação no acampamento. As fêmeas estavam ocupadas, preparando-se para a cerimônia. A atmosfera estava carregada de uma mistura de ansiedade e excitação. Algumas das acompanhantes passavam apressadas, com suas vestes ainda molhadas, enquanto outras discutiam sobre como se apresentar da melhor forma para impressionar os mestres e soldados que estariam presentes na festividade.
Eu, porém, estava distante dessas preocupações. Meu papel era simples. Limpar, lavar, arrumar. Enquanto os outros se preparavam para celebrar, eu mergulhava minhas mãos na água gelada, tentando ignorar a dor que se espalhava por meus dedos enrijecidos pelo frio. O trabalho era árduo, mas servia como uma distração temporária do desconforto constante em que vivia. Um vapor quente escapava dos meus lábios, meu nariz e bochechas rosados e as minhas unhas roxas. Usava apenas o vestido surrado que chegava até o meio dos joelhos, porque, da última vez que tentei produzir alguma roupa para usar durante os dias frios, dona Ixia e as acompanhantes as rasgaram e jogaram no rio. Não pude contestar, usar algo já era um luxo para mim.
A cada movimento, sentia o cansaço se acumular em meus músculos, mas sabia que não podia parar. Yalak, em dias como este, era um lugar onde a hierarquia se tornava ainda mais evidente. As acompanhantes estavam sendo preparadas para atender os convidados novamente, e qualquer desvio do que era esperado poderia resultar em punições severas. Eu conhecia bem as consequências de não seguir as ordens à risca. Os mestres esperavam perfeição, e as fêmeas se esforçavam ao máximo para atender às expectativas. A festividade, para elas, representava uma oportunidade de se destacarem, talvez de ganhar algum favor especial ou se tornarem as acompanhantes mais desejadas de todos os quatro reinos, não que isso já tenha acontecido alguma vez. Para mim, era apenas mais um dia de trabalho pesado e de tentar sobreviver a mais uma jornada, sem atrair a atenção indesejada.
— Ei. — sou puxada com força, me virando e vendo uma das acompanhantes ao meu lado. Acabo deixando um pouco de água cair no chão com o movimento brusco. — Você não limpou as minhas vestes direito. Asquerosa e suja! Faça o seu trabalho, porque não somos as suas escravas para ficar arrumando cada erro estúpido cometido por você!
Fui derrubada no chão e arranhei os meus joelhos, enquanto a acompanhante arremessava as suas vestes em minha direção.
— Lave isso direito, ou reclamarei com Ixia pela sua futilidade. — a fêmea cospe em minha direção, e por sorte, acaba não me acertando.
Com isso, ela se retira. Percebo os olhares de todos que estavam perto, em minha direção. Um rubor sobe pelas minhas bochechas pelo constrangimento e me forço a não chorar novamente. Precisava ser forte, e para isso, contava até dez quando me sentia triste. Ajudava um pouco. Percebi outra sombra ao meu lado, e erguendo o olhar, notei que era um dos machos que trabalhavam para dona Ixia.
— Veja, como pode ser tão engraçado e desastrado ao mesmo tempo? — ele parecia se divertir com a situação
Sério, eu era motivo de piada até para os alienígenas. O macho se recompõe, mesmo que eu não estivesse caída no chão, machucada e derrubando toda água que precisei buscar mais cedo, atoa. — Ixia requer a sua presença na tenda de visitas. Ela quer dar uma palavra com você.Ele deu as costas e se foi, provavelmente, ocupado com alguma parte importante do banquete que logo começaria. Me levantei, limpei os meus joelhos e guardei as vestes que lavava. Quando percebi, já estava caminhando até à tenda de dona Ixia.
— Com licença... — pedi, enquanto entrava. Não havia guardas na entrada, todos estavam ocupados demais para hoje à noite.
Dona Ixia, sentada em seu banco, atrás de uma superfíciede madeira improvisada, levantou o único olho em sua cabeça, suas fendas nasais se abrindo e fechando enquanto me observava com desprezo e rancor.
— Pediu que me chamassem, senhora? — indago, olhando para baixo e evitando encara-la.
— Sim. — escuto o barulho da bengala se arrastando, e logo percebo que ela se levantou e, agora, caminha até mim. — Preciso que me escute bem.
Levanto a cabeça, encarando aquele rosto diferente, anoso e que armazenava todos os tipos de sentimentos ruins por mim. Me assustava.
— Hoje à noite, será especial para todos nós. Klaystaros venceu mais uma guerra e daremos aos soldados e mestres, todo nosso agradecimento e boas vindas novamente. —continua. — Não quero que você se aproxime de nenhum deles, não fale com nenhum deles e tampouco ouse pensar que algum deles irá consumir algo em você.
Me mantenho parada, absorvendo cada palavra. Nem mesmo se quisesse, nenhum deles olharia para mim, assim como os mestres que sempre vieram desde que eu cheguei, me tratam da mesma forma como Ixia ou as acompanhantes. São indiferentes e sentem nojo de mim.
— Saiba que são machos fortes e honrados, que merecem mais do que um ser nojento e desprezível como você! Sua presença me ofende. — Ela estende a bengala e me empurra bruscamente com a ponta. — E, principalmente, não chegue perto do general Aszkher. Você pagará com a sua vida se ousar ofende-lo.
Lágrimas ameaçam a cair, mas apenas me recomponho e a olho novamente. Dona Ixia não se afasta, mas limpa a sua mão, como se tivesse encostado em algo nojento e repulsivo.
— você aparecerá apenas para ajudar a lavar os alimentos, e depois disso, dormirá esta noite para fora do acampamento.
— M-mas... — tento contestar, mas um tapa.
— Nunca me responda, insignificante! Faça o que mandei se ainda quiser viver, ou então, eu mesma mandarei que a matem e queimem para afastar os maus espíritos, porque nem eles iriam querer algo como você. Entendeu?
Assinto. — Entendi, dona Ixia.
— Ótimo. Agora, retire-se da minha frente e não apareça mais.
A reverencio e logo saio de sua tenda. Quando finalmente estou do lado de fora, permito que as lágrimas caíam, o meu choro se misturando com o gosto do meu sangue, enquanto só consigo pensar que isso tudo é muito injusto comigo. Sempre fui uma boa pessoa, gentil e carinhosa com papai e os meus amigos. Por que estou passando por isso? Que tipo de castigo é esse? Limpo as minhas lágrimas e sigo para continuar trabalhando antes que anoiteça.
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Entre Mundos
Romance(Nova versão disponível!) Conteúdo adulto| Monster romance +18| May, é uma jovem tímida e ingênua, que fora levada de seu planeta natal para um lugar hostil e desconhecido, ainda quando jovem e inocente. Sendo submetida à condições de trabalho força...