Capítulo| 18 •

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Zerath Aszkher

A brisa fria dos montes que cercavam Yalak começava a desaparecer à medida que nos afastávamos do lugar. O som abafado dos nossos passos contra a terra intercalada entre úmida e seca era interrompido apenas pelo farfalhar dos arbustos que se dobravam diante de nós. Minhas mãos estavam firmes ao redor da lâmina de ossos que eu carregava, seus sulcos desgastados confortáveis contra meus dedos. Era quase instintivo andar com a arma, não como precaução, mas porque fazia parte de mim.

— Não acha que estamos nos afastando demais? — pergunto, rompendo o silêncio com minha voz grave, mas ponderada.

Hylos vinha logo atrás, abrindo caminho por galhos pontudos e arbustos secos que cresciam com desordem. Sua postura era casual, mas eu podia sentir que sua atenção estava aguçada. Estávamos em território que, embora conhecido, nunca deixava de ser perigoso.

— Lembro-me de que o caminho era esse, meu senhor, embora tenha minhas dúvidas de que iremos encontrar algo com o clima seco pelo inverno.

— Prefiro assim. Mais silêncio, menos problemas. — resmunguei. Hylos me acompanhou.

Era verdade. Me afastar do caos de Yalak, das responsabilidades incessantes, me dava uma clareza que só conseguia encontrar no vazio das terras. Mesmo assim, meu pensamento teimava em voltar a ela. Minha fêmea. May.

— Meu senhor… se me permite, posso perguntar como foi? — Hylos começou, hesitante, mas seu tom tinha um toque de diversão que já me irritava.

— Como foi o quê? — retruquei, mesmo sabendo exatamente do que ele falava.

— O conselho, claro. Funcionou? A fêmea não resistiu aos truques mencionados?

Soltei um rosnado baixo, que ecoou pelo silêncio ao nosso redor. Abri caminho por um amontoado de galhos com um golpe rápido da lâmina, o som cortante e preciso.

— Ela odiou. — admiti, quase cuspindo as palavras.

Hylos parou por um momento, claramente surpreso. Seus olhos me analisaram com cuidado antes de dar uma risada breve, mas contida.

— Fêmeas adoram comida, meu senhor. Principalmente as preferidas.

— A comida preferida seria… a dela? — perguntei, parando abruptamente e me virando para encará-lo, minha cabeça inclinada enquanto arranhava a nuca com a ponta da arma.

Hylos xyldrexiou baixinho, com uma diversão clara em seus olhos.

— Mas é claro, meu senhor. Não me diga que…

Levantei a mão, interrompendo-o antes que pudesse terminar a frase.

— Não termine. É melhor se não o fizer.

Eu me virei rapidamente, começando a andar novamente. Cada passo parecia mais pesado que o anterior. Como eu era tolo! Como não pensei nisso? É claro que a comida preferida deveria ser a dela, não minha. O que diabos ela faria com os vermes Yankees? Meu maxilar se apertava enquanto me lembrava do olhar dela, da maneira como seu rosto murchou ao ver a tigela.

E então me ocorreu algo ainda mais perturbador. Eu não sabia quase nada sobre ela. Seus dentes não eram como os nossos. Nada pontudos, nada feitos para rasgar carne crua ou cascas grossas. Sua boca era pequena demais para devorar algo sem cortá-lo antes. Tudo nela parecia… frágil. Delicado. Não natural para este mundo.

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