Amélia Miller
— Por que ele fez isso comigo?
Pra variar, estou chorando – não vou nem dizer quantas vezes já chorei, porque perdi completamente a conta e a noção.
Minha mãe ouviu cada palavra da minha "história com o Charlie" – se é que um namoro de duas semanas é considerado uma história de amor –, e me fez carinho quando comecei a contar da traição com a Tess. Foi quando eu comecei a chorar de verdade, porque tipo, antes eu só estava derramando uma ou duas lágrimas. Enfim, ela escuta atentamente, e quando termina, não sei dizer como ela está se sentindo em relação a tudo isso; a expressão em seu rosto é serena e carinhosa.
— Bom, ele é homem, é o que eles fazem. — Minha mãe diz, baixinho, enquanto passa a mão na minha testa, puxando meu cabelo para trás. Tá, e eu faço o quê com essa informação? Viro lésbica?
— Até meu pai?Silêncio. Traição é um assunto extremamente delicado na nossa "família", e agora que estou passando pelo mesmo que minha mãe passou com meu pai, não sei se ela sabe como me aconselhar ou me confortar, pelo menos é assim que eu penso. No fundo, eu tenho esperanças de que minha mãe me ajude a superar isso, porque não quero sofrer como ela sofreu, não depois da amostra grátis que eu tive nos últimos dias.
— É complicado. — Ela diz por fim, me fazendo virar o rosto para encarar o seu. Mas minha mãe não está olhando para mim, está olhando para a parede branca do meu quarto.
— Como assim?
Ela suspira, e segue os olhos azuis para mim.
— Querida, nossa história pode ter a mesma base, mas é... diferente. — Há um sorrisinho pequeno em seus lábios, gentil, mas ainda nervoso. — Seu pai e eu... não era mais a mesma coisa, de quando nos conhecemos, isso é fato. Eu podia ainda até amar ele, mas ele não me amava mais, pelo menos não do mesmo jeito que eu. Veja bem, ainda não é um motivo para traição, mas enfim.
— Isso não é muito diferente de mim. Quer dizer, quando uma pessoa trai seu parceiro, é porque não existe amor de verdade, certo?Minha mãe me encara por alguns segundos, depois me segura pelos ombros e me ajuda a sentar. Me encosto nas grades de ferro da cama, ainda olhando para ela, que franze as sobrancelhas como se estivesse pensando. Posso quase ouvir as engrenagens do seu cérebro funcionando.
— Nem sempre... — Ela balança a cabeça. — O Charlie passou a noite no hospital por você, precisava ter visto ele dormindo todo torto naquele sofá, se recusando a ir embora. E quando ele chegou durante o procedimento da angioplastia...parecia acabado e tão preocupado. A determinação que ele tinha em ficar, mesmo depois de eu manda-lo ir embora quando você me pediu... Lia, se isso não é amor, eu não sei o que é.Na minha cabeça, tento imaginar o Charlie no hospital. Será que ele chorou? Posso até imaginá-lo dormindo no sofá, discutindo com minha mãe para continuar me esperando também, mas não consigo pensar nele chorando. Nunca vi o Charlie chorar – nunquinha –; é uma coisa impossível de se imaginar.
Deito a cabeça no ombro da minha mãe, mexendo os meus e limpando as lágrimas do rosto.
— Talvez seja o sentimento de culpa. — Digo
— Por que? Acha que ele possa ser o culpado do seu... do seu ataque cardíaco?
Minha mãe segura minha mão, entrelaçando os dedos nos meus. Sei que ela ainda está muito assustada com tudo o que aconteceu.
— Não sei...sei lá. — Suspiro — Talvez, pelo menos um pouquinho. Eu estava sentindo um pouco de dor, horas antes do nosso namoro ir por água abaixo.
— Como é? — E, de repente, sua voz chega a ficar um pouco mais ríspida e séria. Merda. — E por que não disse que estava sentindo dores antes?
— Porque você sabe que eu sempre sinto dores no peito, não é como se fosse um presságio para o ataque cardíaco. É comum pra mim, que nem respirar ou andar.
DAC não é uma doença sigilosa, eu vou sempre sentir algumas dorzinhas no coração, às vezes eu estou bem e às vezes dói; é assim mesmo. Agora, quando dói muito forte é que eu deveria me preocupar, e naquela dia, depois do Noah se declarar pra mim – de novo –, tinha doído muito forte.
— Eu sei, mas podia ter falado com o Charles... Hawkins, Dr. Hawkins...sobre as dores. — Minha mãe se corrige imediatamente, e eu olho para ela a tempo de ver suas bochechas coradas. — Enfim... voltando ao nosso assunto inicial... talvez o Charlie não esteja se sentindo culpado.
— Tomara que esteja... — Murmuro, mas não acho que ela me escuta. É isso, ou então me ignora e continua falando.
— Talvez ele tenha se arrependido. — Ela dá de ombros. Ergo uma sobrancelha.
— Tá defendendo ele?
— O quê? Claro que não, Amélia. Só tô dizendo para você não comparar o seu caso com o meu, porque são diferentes. Além disso, o sentimento de arrependimento é a pior coisa que um homem pode sentir, porque isso acaba com a gente.
Se o Charlie realmente estiver arrependido pelo o que fez, será que isso vai deixa-lo tão magoado e sensível como eu estou? Saber que ele pode, neste exato momento, estar pensando em mim, se sentindo culpado, se sentindo triste...queria poder tirar algum proveito da sofrência dele, qualquer resquício de "bem feito" que seja, mas só consigo sentir compaixão. Só consigo pensar em estar com ele, para diminuir a dor ou sei lá o quê.
— Mãe — Chamo e olho pra ela, os olhos marejados, a voz embargada pelo nó na minha garganta. —, acha que eu devo perdoar ele?
— Hum-hum, não. — Ela resmunga — Não sinta pena, Lia, porque ele provavelmente não sentiu pena de você quando...quando "mentiu".
Ela tem razão, mas nem por isso eu vou deixar de sentir saudade ou vontade de voltar pro Charlie. Eu amo esse filho da puta traidor.— Mas eu sinto saudade dele... — Digo, ao mesmo tempo em que tento parar de chorar de novo.
— Eu também achei que sentia saudades do seu pai, no início, mas na verdade não era isso. Eu ficava pensando nos momentos bons com ele, de quando me fazia rir e sorrir fácil. Mas quando eu pensava nele em si, sentia raiva e uma vontade enorme de nunca mais ter que olhar na cara dele.
Eu fungo e passo os dedos embaixo os olhos, pegando as lágrimas.— O que isso quer dizer? — Pergunto baixinho
— Quer dizer que não é pra confundir saudades, com lembranças; é uma pegadinha traiçoeira que todo coração partido resolve pregar na gente.Por-ra. Acho que acabei de levar um tapa da vida na bochecha, chega doeu. Olho para minha mãe, e minhas lágrimas até mesmo param de cair, enquanto raciocino as palavras que me disse. Tudo no que tenho pensado desde que terminamos, são nas lembranças boas que vemos juntos. Mas eu também penso no Charlie – acabei de fazer isso, quando minha mãe disse que ele também pode estar mal com tudo isso. Eu...eu tô confusa. Sei lá, é um misto de diferentes sentimentos, que vem tudo de uma vez – quero estar com ele, ao mesmo tempo em que quero que ele fique bem longe de mim; quero sentir raiva dele, mas não consigo porque ele também pode estar triste, e isso me deixa péssima; quero abraça-lo, e depois estapear –, e isso me faz chorar, me faz querer dormir só pra não ter que pensar nessas coisas. Acho que nunca vou descobrir o que eu quero, se não falar com ele.
— Mas, a decisão é sua. — Minha mãe solta um longo suspiro, depois sorri e beija minha testa demoradamente. — Você decide o que vai fazer, se perdoa ou não. Por enquanto, tenta não pensar muito no Charlie, e se preocupe na recuperação desse seu coraçãozinho bondoso.
Ainda sorrindo para mim, ela me abraça outra vez, nem apertado. É tudo de que eu preciso agora; abraços apertados e carinho, não importa de onde venha. Eu fecho os olhos, inspirando o perfume dela; é fraquinho, mas ainda doce e por algum motivo me lembra a água, mesmo que água seja inodoro.
— Descansa, que eu vou fazer seu almoço, tudo bem? — Ela se levanta da cama, passando a mão na camiseta lilás. — Lia.
— O quê?
— Você vai ficar bem, ok?
Abro um sorrisinho pequeno, afirmando com a cabeça antes dela sair do quarto e me deixar sozinha. Sozinha com a saudade do Charlie. Eu me deito na cama, e abraço o travesseiro, fingindo que é ele aqui. A versão que não me traía, e que me dizia que era louco por mim desde os 13 anos.
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ALL FOR LOVE - Charlie Bushnell (livro 2)
FanfictionLivro #2 OBS.: Sinopse possui spoiler do livro #1 Amélia Miller estava de coração partido. O garoto pelo qual jurava estar apaixonado por ela havia cometido um erro - o erro que ela mais temia acontecer. Depois da terrível - e quase fatídica - noi...