032

447 53 37
                                    

AMÉLIA MILLER

Consigo tirar um cochilo de algumas poucas horinhas. Só isso. Quando acordo, ainda é meia noite e trinta. Fico deitada embaixo do edredom, encarando as pás do ventilador parado no teto, no escuro mesmo. Ao mesmo tempo em que estou preocupada com Alyssa, estou apreensiva por ficar sozinha com o Charlie. Isso tá me deixando maluca, e olha que estamos os dois em quartos separados e minha porta está trancada. Pateticamente trancada.


Depois que voltei para o quarto, a deixei entreaberta, com apenas uma frestinha, pensando inconscientemente que Charlie, talvez, fosse querer abri-la entrar. Mas no instante em que o ouvi subindo as escadas, entrei em pânico e passei a chave. Não posso simplesmente deixar brechas para que ele entre e estrague tudo de novo.

Estou enlouquecendo. Uma hora eu o desejo; quero tocá-lo, quero que me toque. Mas em outra hora quero manter distância; é questão de preservar meu coração machucado. Ainda é recente demais, eu não devia me deixar levar para o lado da recaída assim tão cedo.

     Eu suspiro e fecho os olhos por alguns minutos, antes de me mover para me sentar na cama. Talvez beber um pouco de água ajude. O chão está gelado quando meus pés tocam, mas o ar está quentinho por causa do aquecedor. Me levanto no escuro mesmo e abro a porta, olhando fixamente para o outro lado do corredor; a porta de Charlie está aberta e o quarto vazio. Cerro os punhos com força, engolindo em seco ao pensar que ele pode estar lá embaixo. Ele não é um bicho papão, Amélia, vai ficar tudo bem.

Custa, mas eu enfim consigo mexer minhas pernas e caminhar devagar enquanto desço as escadas. A cabana está muito mal iluminada, então preciso me segurar bem para não tropeçar e sair rolando por aí. Tento não fazer muito barulho quando atravesso o corredor do hall de entrada, passando pela sala e depois na cozinha, com uma pontada de euforia em pensar que Charlie pode estar lá bebendo água também. Mas ele não está. Onde será que esse garoto se meteu? Não sei se fico aliviada por não ter dado de cara com Charlie no escuro, ou se fico decepcionada por não ter o visto mais uma vez antes de dormir.

Quando jorro um pouco de água gelada no copo de vidro, me assusto com o som alto, porque a cabana está muito silenciosa. Parece que estou completamente sozinha, e isso é um pouco assustador, principalmente porque só há luz nos abajures espalhados por aí, e na cozinha apenas no pequeno candelabro em cima da ilha de madeira. Eu me encosto no balcão da pia, bebendo minha água, pra voltar logo pra cama...


Mas de repente começo a ouvir um som diferente, ecoando pela cabana, mais precisamente pelos túneis de ar. É um piano. Passo os olhos pela cozinha, porque é como se o som estivesse vindo de todos os lugares, como se fosse o ar. E então vejo um feixe de luz sair pela frestinha da porta do porão, perto do armário de mantimentos. Charlie. Não acredito, ele tá mesmo tocando.

     O som é tão bom, que eu me vejo largando o copo na pia, e depois caminhando em um ritmo cuidadoso até a porta. Ela não range quando a abro, o que é ótimo, porque assim não o distraio. Eu respiro fundo, e então desço o primeiro degrau, certa de que eu quero vê-lo tocar. Eu preciso vê-lo tocar. Quanto mais eu desço, mais alto o som da música fica, até eu perceber que além de tocar o piano, Charlie também está cantando. Minha nossa, que saudade de ouvir isso.


Tento não fazer barulho quando paro na porta. Charlie está de costas para mim, mexendo as mãos perfeitamente nas teclas de um piano de aparência velha. O porão é pequeno, sendo iluminado apenas pela luz da lareira lá na frente. Atrás de um sofá verde-musgo, tem uma mesa de madeira nobre e uma enorme estante lotada de livros. Parece um escritório de um rei.
Foco os olhos em Charlie, e o mesmo continua cantando com todo o fervor de sua voz rouca, arrastando-a de uma forma deliciosa. Sem malícia nenhuma, isso me lembra seu gemido, juro por Deus.

ALL FOR LOVE - Charlie Bushnell (livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora