O sol estava prestes a nascer, e Gabriel observava a escuridão da noite, aos poucos despedir-se daqueles que somente saem durante seu abraço funesto. O jovem vampiro mantinha seus pensamentos para si, parecia distante e completamente em paz com isso. Por mais que sua apresentação para o restante do clã, tivesse sido um pouco mais tenso do que imaginou no início, sentiu-se orgulhoso de ter conseguido ao menos achar uma maneira de poder descobrir sobre seu assassino e criador.
Seus olhos grandes que mais assemelham a avelãs, encaravam o vasto horizonte a sua frente. As pequenas luzes da cidade que estavam distantes, compunham um cenário completamente diferente do que passou a acostumar-se. Nunca tinha parado para apreciar a solidão da noite, o silencio que seria opressor para pessoas como ele, pelo menos antes de ser quem é hoje.
Agora, conseguia ouvir os gatos caminhando pelos telhados, ruas e muros; podia ouvir os guinchos dos ratos que atravessavam as ruas desertas, de um lado para o outro, alertas a quaisquer movimentos na escuridão. Também ouvia pessoas que ainda estavam acordadas, estivessem elas comemorando ao festejarem até o amanhecer, ou trabalhando enquanto os outros dormem, ou simplesmente quando estão em seus momentos mais íntimos.
Pequenos momentos como aquele começavam a ganhar certa importância. O rapaz não podia deixar de pensar nos ganhos desta nova vida: uma ótima audição, nunca mais poderia reclamar de sua visão ou olfato. Seus sentidos mostravam todo um mundo novo desde que acordara no necrotério algumas noites atrás.
Hélio, no entanto, o observava curioso. O servente que estava em pé ao lado da porta, não dissera uma única palavra, nos minutos que já se passaram desde sua chegada aos aposentos do jovem vampiro. O rapaz fora instruído a visitar Gabriel, não porque o jovem diante dele estivesse se sentindo só, por mais que as vezes fosse o que mais parecia, mas pelo simples fato, de que estava na hora de sua alimentação. Hélio não quis atrapalhar seja lá o que Gabriel estivesse fazendo naquele momento.
O funcionário do Clã de Lúcia, recordava-se da maneira como o novato o tratou na noite passada. Desde que ingressara aos cuidados de sua empregadora, nenhum vampiro que vive naquele prédio, jamais o tratou como uma pessoa. Lembrou-se das vezes que algumas mulheres requisitaram sua presença, e em como elas o trataram como um mero objeto, o colocando até em situações desconfortáveis. Mas não Gabriel, ele o tratou de outra forma, uma que o deixara intrigado.
— Sinto que estou um passo mais perto e ao mesmo tempo dez passos mais longe... — Gabriel murmurou para si mesmo, enquanto fitava o sol vagarosamente despontar na imensidão do céu. O vampiro virou-se em direção a porta, pois somente naquele momento, percebeu um cheiro levemente familiar, que fez com que seu interior se remexesse. Ele olhou de soslaio, e percebeu que Hélio estava ali, aguardando por suas ordens, sem ao menos dizer nada ou fazer quaisquer sons.
— Senhor... — Hélio disse sobressaltando ao perceber que Gabriel o notara fitando-o.
Com o caminhar vagaroso, o vampiro diminuiu a distância existente entre ele e Hélio. O rapaz dos belos olhos azuis continuava a encarar Gabriel, percorrendo com o olhar todo o maxilar levemente oval do jovem vampiro, que parecia um pouco mais rígido que de costume, ou pelo menos, desde que se recordava. Ambos estavam tão tensos que nem tinham se dado conta.
— Prometo que será rápido — Gabriel disse quebrando o silêncio constrangedor.
Hélio apenas anuiu, e assistiu ao vampiro se aproximar um pouco mais. Com a mão esquerda, o rapaz deixou amostra o ombro, local em que Gabriel preferia mordê-lo. O vampiro olhou uma vez mais para o rapaz diante de si, tentando transmitir-lhe confiança. Em seguida, colocou suas mãos gentilmente sobre os ombros dele, enquanto Hélio buscava evitar manter o contato visual, esticando um pouco o pescoço, para que o vampiro tivesse uma clara visão de onde morder, de encontrar sua veia.
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O Outro Lado do Anoitecer
ParanormalO que você faria se descobrisse que um outro mundo pudesse se revelar diante de si toda vez que o sol se põe? Gabriel jamais imaginou que isso um dia poderia ser possível, e agora se vê obrigado a aprender as regras deste mundo tão estranho e hostil...