21. Um dia estranho

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O som de música podia ser ouvido através dos alto falantes nas paredes pintadas de branco e azul escuro. O movimento ali entre os corredores era mínimo, apesar de nem estar perto do horário de encerramento das atividades do pequeno mercado. Rodrigues estava imerso em pensamentos sobre sua breve conversa com seu superior, que não tinha gostado nada da situação que o jovem policial havia se metido.

O chefe de seu distrito parecia ter passado horas de muita tensão com o Delegado Geral, e por isso o humor e a paciência não estavam em seus melhores momentos.

Rodrigues somente voltou ao momento presente ao esbarrar por acidente com um jovem rapaz de aparência moribunda, e rosto de poucos amigos. O rapaz em questão, era poucos centímetros mais alto, possuía bolsas em seus olhos e uma coloração que ele julgou aparentar ser fruto das olheiras.

— Desculpa — disse ao abaixar-se para pegar o pacote de macarrão que o jovem derrubara por sua causa. Ao levantar-se e olhar bem para o rosto dele, espantou-se ao notar que tratava-se de Caio, o rapaz cuja namorada tinha sido levada pelo estranho homem de capa de chuva negra.

— Não foi nada — respondeu Caio sem emoção alguma, mal mantendo contato visual com o policial que o encarava curioso.

O rapaz seguiu em direção ao caixa, e Rodrigues notou uma mancha que assemelhava-se a um estranho hematoma que estendia-se pelo ombro até perto da nuca.

Tão rápido tinha sido o breve reencontro, que Caio logo desapareceu da vista do policial que o buscava com o olhar, na direção dos diversos caixas que estavam ocupados com os mais variados clientes.

Onde ele poderia estar? — ponderou.

Rodrigues olhou em seu relógio que marcava exatas nove horas da noite.

Já está tão tarde assim?! — pensou surpreso.

Deu mais uma volta pelo mercado atrás de mais alguma coisa de sua lista de compras. Pegou  atum enlatado, um pacote de macarrão tipo parafuso, um sachê de molho de quatro queijos e uma garrafa de vinho. Se tudo desse errado, teria ao menos um vinho para o alegrar naquela noite.

Cumprimentou a atendente que deveria estar na casa dos trinta. A mulher o ofereceu um sorriso simpático, tentando até mesmo puxar algum assunto enquanto registrava as compras do rapaz. Rodrigues estava desanimado demais para manter quaisquer tentativas de jogar conversa fora. Ainda não conseguia acreditar em como tinha sido descuidado, e em sua falta de profissionalismo, ao se deixar levar por um caso rotineiro em seu trabalho.

— O que você disse? — perguntou confuso, encarando a funcionária que aguardava uma resposta.

— Vai pagar como? — A caixa repetiu educadamente.

Rodrigues encarou a tela que mostrava o valor de sua compra, depois olhou para a moça e para uma senhora acompanhada de seu netinho serelepe, que tentava convencer a avó a comprar uma barra de seu chocolate favorito.

— Crédito — respondeu ao retirar a carteira de seu bolso, buscando o cartão do banco dentre os compartimentos do objeto de couro. — Me desculpe, tive um dia cheio — revelou depois de ter encontrado o cartão desejado e inserido na maquininha.

O policial não prolongou sua estadia mais do que já o havia feito, e caminhou até as portas automáticas do mercado. Rodrigues foi recebido por uma lufada de ar fria, não conseguia compreender o que acontecia com o tempo maluco da grande metrópole paulista. Viu algumas crianças com roupas sujas e rasgadas passando do outro lado da rua, e notou que as pessoas que por elas passavam, sempre as ignoravam ou simplesmente lhes lançavam um olhar repugnante.

Esse mundo deve estar mesmo fodido — ponderou enquanto seguia até seu carro dentro do estacionamento do mercado. Antes que pudesse adentrar em seu carro, foi surpreendido por uma figura solitária que parecia caminhar confusa dentro do estacionamento.

O Outro Lado do AnoitecerOnde histórias criam vida. Descubra agora