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Bolhas submersas na água cheia de pedras de gelo acariciaram o meu rosto segundos antes que eu erguesse a cabeça, enchendo os pulmões de ar e tossindo algumas vezes de forma contida

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Bolhas submersas na água cheia de pedras de gelo acariciaram o meu rosto segundos antes que eu erguesse a cabeça, enchendo os pulmões de ar e tossindo algumas vezes de forma contida. A pele ardia, tanto pela temperatura baixa do líquido na pequena bacia sobre o lavatório de mármore branco e texturizado, quanto por aquela que revelava o quão nublado e chuvoso o dia seria. Com os olhos semicerrados, praticamente corri para fechar a janela da casa-de-banho, contendo a vontade de coçar a face devido às gotas que deslizavam lentamente, fazendo cócegas. As da chuva forte não demoraram a bater no vidro, enchendo o cómodo com a melodia relaxante.

Passar gelo ou mergulhar o rosto em uma bacia com água gelada era quase um ritual matinal. O gosto por me apresentar quase impecável em toda e qualquer ocasião vinha do berço, e o círculo social no qual estava inserida desde sempre não aceitaria menos, principalmente os meus pais, de quem eu era uma cópia fiel, ainda que o conjunto de características deixasse evidente que era mestiça. Yuto Sato era coreano e Diana Abdullahi Sato, sua esposa e minha mãe, era uma mulher nigeriana, com um sotaque forte, longe de ter sido, alguma vez, completamente alterado ao longo do tempo.

Eram cinco horas em ponto quando o despertador voltou a tocar, me alertando a respeito do tempo que gastara na primeira fase do cuidado com a pele facial. Humedeci os lábios ao me fechar sob o chuveiro, cercado por vidro temperado. Abri a torneira, e a água aqueceu em segundos; regulei a sua temperatura enquanto alcançava um dos recipientes com gel para banho e me ensaboava após molhar o corpo. Em uma confusão de toalha e roupão, saí do compartimento abafado após hidratar o rosto com camadas de produtos diferentes e me senti pronta para mais um dia ao terminar de me vestir.

O caminho até o final do corredor pareceu uma tortura. O coração batia fortemente no peito enquanto perguntava a mim mesma como a família toda me encararia naquela manhã. Muito provavelmente, a minha mãe olharia para mim como se estivesse decepcionada, Yuto seria tão frio quanto se tornara habitual, e Kyle, meu irmão mais velho, iria manter a carranca na testa, a mandíbula retesada sempre que possível e o olhar baixo até que abandonasse a mesa. Ou a casa toda, na verdade.

Vivíamos em uma espécie de palacete, em uma área na qual apenas se estabeleciam pessoas da alta sociedade. No entanto, eu não tinha tanta certeza de que ainda fazíamos parte dela, pois os luxos que pareciam não se esgotar iam sendo reduzidos aos poucos. O meu pai andava mais chato do que o comum, e Diana o acompanhava com a submissão exagerada, atendendo todas as suas vontades e deixando que ele fizesse e dissesse o que bem entendia, ainda que isso desestabilizasse cada vez mais a harmonia que sempre fora quase inexistente no meio familiar. O número de empregados reduzia, jóias eram vendidas constantemente e os carros, aqueles sobre os quais Yuto sempre fazia questão de se gabar em festas e outros eventos, eram também leiloados por conta da raridade ou valor.

— Bom dia. — soprei ao sentar no meu lugar, interrompendo o silêncio desconfortável que pesava na sala, quase palpável. Minha mãe sorriu, exibindo os dentes alinhados e brancos. A alegria não lhe chegou aos olhos, e os outros nada disseram.

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