⚘ CAPÍTULO IV - O Raio De Sol Depois Da Tempestade ⚘

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 O banheiro cheirava a desodorante e vários perfumes diferentes, mas aquela altura, como alguém que usava desodorante e colônia todos os dias, Kai já estava acostumado aos diversos aromas misturados um ao outro (se ignorarmos o cheiro de laquê e gel de cabelo).

Ao sair do chuveiro com uma toalha amarrada em sua cintura, Kai levou sua mão ao espelho, limpando o vapor colado a ele. Como sempre, a cicatriz foi a primeira coisa que viu. Contudo, fez seu máximo para ignorá-la e examinar a marca roxa ao redor de seu olho, uma consequência de uma briga durante um show underground umas semanas antes. Estava finalmente começando a desaparecer.

Ele desviou seu olhar para o cabelo. Quando molhado e sem penteado algum, o cabelo de Kai parecia relativamente longo, se bem que nos últimos vinte anos – décadas de 70 e 80 –, em meio aos jovens, ter o cabelo batendo um pouco, mesmo que minimamente, abaixo das orelhas ainda era considerado como curto (mas ai daqueles que passassem por um idoso, teriam de ouvir que pareciam mendigos que nunca viram uma tesoura na vida). Manter o cabelo assim e estilizá-lo para ficar espetado foi uma das suas poucas coisas que não mudaram. Contudo, imenso sorriso de criança arteira, aquela energia de antes, aquele mesmo moleque que curtia pular da ponte em um dia de verão, havia desaparecido, tal como a neve na chegada da primavera.

Antes de arrumar o cabelo, Kai vestiu o uniforme, que consistia de um blazer azul com detalhes laranja, uma blusa social e uma gravata laranja com detalhes azuis. Havia, sim, uma calça para o uniforme dos garotos, mas Kai nunca se dava o trabalho de vesti-la. Sempre colocava um par de jeans velhas e desbotadas, rasgadas no joelho depois de uma tentativa falha de andar de skate um ano antes. Quanto à gravata, ele sempre a deixava mal amarrada.

Ao terminar de cortar o cabelo, ele limpou os fios castanhos escuros da pia, os jogando no lixo, e por fim saindo do banheiro.

Nya estava na porta, apoiada contra a parede de papel de parede cor creme, com uma toalha sobre o ombro. Continuava baixinha mesmo com catorze anos, ou Kai era alto demais para dezesseis anos. Nya havia abandonado os cabelos longos da infância e os cortou em um tipo long-bob.

— Finalmente — Ela revirou os olhos, puxando a toalha de seu ombro, e caminhou para dentro do banheiro.

— Não demora — Kai avisou. — Sua professora desse ano é terrível.

— Demorar mais que você? Difícil — ela debochou, antes de fechar a porta com um baque alto. Kai ouviu o som da tranca do lado de dentro.

O garoto desceu as escadas, sentindo as calças escorregarem de sua cintura conforme andava até por fim pararem no quadril. Mesmo o cinto preto cravejado não era o bastante para segurar, então ele a puxou para cima de novo.

Nas paredes do pequeno hall de entrada (e com certa ironia, afinal, aquilo era mais um corredor que um hall) haviam diversas fotos tiradas ao longo dos anos, capturando simples momentos da vida daquela família, dentre elas, pequenas viagens que fizeram em alguns feriados, mas nenhum destino mais distante que a Vila Jamanakai. Perto da porta, havia um pequeno sapateiro de madeira com alguns tênis e dois pares de galochas. Ninguém ali usava sapato dentro de casa – e muito menos tinha permissão –, afinal, ninguém iria querer limpar a sujeira. Kai sentiu o cheiro de algo fritando, um cheiro similar a carne, seguindo-o em direção a cozinha, ele deixou o hall.

Não havia nenhuma separação entre a cozinha e a sala de estar, que tinha apenas uma TV antiga que haviam comprado (muito provavelmente) há no mínimo quinze anos atrás e um sofá marrom de couro falso que já estava começando a transparecer sua ilegitimidade, com pequenas rachaduras no tecio aqui e acolá, com no braço do objeto ou no assento.

Em pé, à frente do velho fogão, estava sua mãe. Maya ainda tinha seus cabelos castanhos escuros, longos e ondulados, mas Kai podia ver fios cinzas espalhados por ele. Maya era do tipo de mãe que se empolgava no primeiro dia dos filhos, fosse de qualquer ano letivo, mas especialmente naquele ano.

Ninjago AU - Eu (Não) Posso Ouvir Você (Greenflame)Onde histórias criam vida. Descubra agora