Feliz Aniversário, Maninha

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LILLY DARLING

E a tão temida data do aniversário de dezoito anos de Winnie chegou. Mamãe estava mais paranoica do que nunca, e é claro que ela sumiria no mundo para foder com algum integrante do time de basquete. E depois dizia que o melhor era não preocuparmos a mamãe, cuidarmos dela e sua frágil saúde mental...

Esse discurso sempre me cansou bastante. Tudo bem, ser a vítima fazia Winnie feliz. E não é como se isso me atingisse. Afinal eu tinha minha vida normal. Eu trabalhava, estudava, dava um jeito na minha vida e na casa. Como sempre foi.

Saí para comprar o jantar. Minha mãe nunca teve medo que Pan viesse me buscar. Ele não sabia que eu existia.

Na verdade, acho que ela não ligava. Ela nunca me achou muito Darling. Afinal eu só tinha os olhos verdes... E mesmo assim, eram do tom errado. Não era Darling o suficiente para chamar a atenção de Peter Pan. E a maior prova disso é que meus 22 estavam chegando e, olhe só, a mítica figura não deu o ar da graça depois de devolver minha mãe.

Acho que isso fez Winnie desacreditar todas as sandices de nossa mãe. O que era uma pena. Se ela fosse mais esperta, teria se preparado. Teria escutado a mamãe. Poderia me perguntar o que tive a chance de ouvir da vovó e do vovô. Mas sempre encarou tudo como uma piada de mal gosto e loucura genética.

Mesmo que, curiosamente, sua irmã mais velha nunca tivesse enlouquecido.

Voltei para casa no início da noite, vendo Winnie chegar no carro de um menino da mesma idade. Irmãzinha... Tão previsível... Entrei em casa, ouvindo-a reclamar que estava com fome. Acendi as luzes da cozinha, ouvindo minha mãe chiar, embora ela não pudesse dizer uma única palavra, eu quem pago as contas, afinal.

Todo o dinheiro que ela consegue gasta com charlatões e bobagens infuncionais que prometem afastar desde espíritos obsessores ao lendário Peter Pan. Ou qualquer outra coisa que atormenta uma mente perturbada com dinheiro fácil.

-O jantar está aqui, venha comer.-Chamei minha irmã.-E depois tome um banho antes de dormir. Como paguei a conta de luz, o banho pode ser quente.-Minha mãe arquejou, mas não dei importância, e Winnie também não.-Temos sobremesa.

Ela foi direto no pacote bonito. Era uma pequena torta de morango, a que ela mais gosta. Pequena porque não temos geladeira, afinal minha mãe não tem sossego, e vender os móveis todas vezes ia ser uma droga, e um desperdício de dinheiro. O que facilitava as coisas é que meus trabalhos são remotos, então pouco importa se estou no Kansas, na Austrália, no Canadá ou no México.

Minha irmã deu um sorriso pequeno e feliz. E isso me deixou feliz. Ao menos um pouco de luz no dia especial dela. Ao menos até mamãe arrastá-la para o macabro "Quarto Protegido".

•~☠️~•

Ouvi a porta abrir. Para quem tinha tanto medo, minha mãe deixou a porta da frente aberta. Também ouvi Winnie sair do quarto, provavelmente atraída pelo som, e pelo lendário magnetismo de Pan.

Quando a silhueta dele surgiu na cozinha, acendi a luz, o que o fez dar um pulo, assim como fez minha sonolenta irmãzinha. Winnie congelou, pálida.

-Boa noite, Rei do Nunca.-O olhar dele passou entre nós duas várias vezes, confuso. Acho que minha mãe tinha razão. Sou Darling de menos. E foi o que me livrou da maldição da família.-Bem vindo.-Ergui minha caneca de café, indicando a garrafa térmica e as outras duas canecas sobre a mesa.-Não sei como é a viagem da Terra do Nunca até aqui, mas aceita um pouco de café? Winnie, venha.

Minha irmã sentou, ainda chocada. E eu poderia dizer o mesmo de Pan. Ele ainda parecia confuso. O aroma do café estava no ar, e todos bebíamos em silêncio, quando mamãe chegou. Ela sequer conseguiu ser histérica ao ver Pan. Ele pareceu legitimamente surpreso ao ver o estado dela. Não deveria ser uma novidade. Vovó não estava muito melhor quando ele levou Meredith.

-Mãe, volta pra cama. Está tudo bem.

Winnie pediu. Mas ela também se sentou na mesa, em silêncio, com lágrimas rolando pelo rosto.

-Peter... Por favor...

-Vou trazê-la de volta, Merry. Sabe disso.

-Achei que tivesse achado... Você não veio buscá-la.

E me indicou. Pan voltou a vagar o olhar. Dessa vez por mim, Merry e Winnie. Eu lhe dei de ombros.

-Ela é... Quem?

Minha mãe gruniu e resmungou, mas não respondeu.

-Sou a filha primogênita dela.-Indiquei mamãe com minha caneca, que voltei a encher de café, esvaziando a garrafa.-Mas está mentindo, ela sempre soube que você viria buscar Winnie. Fez todo tipo de ritual macabro que você puder imaginar pra tentar impedir ou ludibriar você.

Ganhei uma olhada muito feia da minha mãe. Mas era verdade. O que ela ia fazer? Negar? Eu queria vê-la ter a pachorra de tentar.

-Então... Dessa vez... São duas Darling em uma única vez...

Não dava para ter certeza se ele estava feliz, surpreso ou incrédulo. Ele realmente acha sorte topar com duas mulheres amaldiçoadas de uma única vez? Que criatura interessante.

-Vai levar as duas pra Terra do Nunca?-Dei uma risadinha.-Eu não o faria. Você pode acabar se arrependendo.

Vi minha mãe se arrepiar inteira, assim como Winnie. Mas Pan não me assusta. Ele não é um demônio, ou um bicho papão. Pode ser morto como qualquer criatura, principalmente sem seus poderes de fadinha.

-Criou duas meninas malcriadas, Merry?

Ele zombou da mamãe, que apenas começou a chorar audivelemente, implorando que ele não levasse Winnie. Toquei o braço de Pan, ganhando os olhos verde-escuro.

-Vai levar as duas ou só a mais nova? Eu pego a mochila dela pra adiantar.

-Eu...-Winnie estava ocupada, tentando argumentar com nossa histérica mãe.-As duas...

-Olha... Se for possível, posso fazer a travessia com minhas próprias pernas. E levar as mochilas. Se tiver de levar alguém carregado, vai ser Winnie.

-Nunca levei uma Darling com mais de dezoito anos.

-Há uma primeira vez para tudo, Pan. Talvez um de seus erros fosse levar as Darling com cérebros muito jovens. Me dá um minuto?

-Claro. Eu vou... Resolver as coisas aqui em baixo. Mas não demore.

-Só preciso de um minuto.

•~☠️~•

A travessia para a Terra do Nunca foi vertiginosa. Nada que não pudesse ser administrado.

O baque de magia que me atingiu, no entanto, me fez cair sentada no chão. Ela percorreu meu corpo inteiro, quase substituindo o sangue em meu sistema.

Pan deu uma risadinha. Ele estava ofegando pesado, e Winnie estava acordando do desmaio, começando a querer se debater. Ele me estendeu a mão, e eu aceite, ficando em pé. Logo tomamos o rumo para a Casa da Árvore.

Como na Terra do NuncaOnde histórias criam vida. Descubra agora