Episódio 11.1 - Dranô: A Palavra de Ordem

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Eu não queria acreditar nas palavras daquele guarda, mas por mais que eu negasse o teor da sua mensagem, a energia destrutiva dos Executores da Nação Exilada se fez presente, confirmando que mais um ataque havia começado. Eu não sabia se seria capaz de passar por aquilo de novo.

— CASSIUS! KASSANDRA! — A regente da nação berrou com a cabeça erguida.

Eu olhei para Tagi, que estava de cabeça baixa sussurrando algo. Liera se voltou para nós, incrédula, ao sentir que havia magia sendo invocada no recinto. A jovem combatente me olhou com as pupilas dilatadas e disse:

— Nós nunca estaremos seguros em Acalla!

Com a agilidade e força potencializadas, Tagi foi até uma das paredes e a derrubou com um único soco. Pude sentir a brisa tão fresca quanto ameaçadora que vinha da Floresta da Fronteira. A combatente correu para as árvores, buscando segurança no interior fechado da mata, mas, antes que pudesse desaparecer de vista, um risco escuro cortou o ar e a atingiu na altura da perna. O abate a levou ao chão; Tagi agonizava profundamente pela dor.

— NÃO! — Liera gritou, horrorizada, ao observar a cena. A regente da nação não pensou em si ao correr para fora e se colocar sobre o corpo caído para protegê-lo.

Eu saí da base militar e lancei um breve olhar em direção ao vilarejo; as casas ardiam como em Astandor, e pessoas tentavam se salvar como podiam. Notei que havia um exilado partindo do ponto de onde viera o objeto que atingiu Tagi. Ele era tão alto quanto o outro que atacou minha família e usava a mesma armadura negra; porém, foram as diferenças entre ambos que atraíram minha curiosidade, marcando suas características como uma cicatriz em minha mente. Seu corpo era esguio e fino. Os espinhos não estavam nos ombros, mas se fixavam ao elmo, de onde uma longa trança despendia-se até a cintura. Ao avistar Liera, o Executor puxou um dos espinhos e o armou em um arco rudimentar, disparando em seguida tal como uma flecha. A regente da nação não foi pega de surpresa; com um grito e um gesto das mãos ágeis, ela invocou algo que fez a flecha parar no ar. O Executor se armou mais uma vez e fez um novo disparo; os espinhos pareciam crescer em seu capacete conforme sua vontade.

Me vi novamente em uma situação em que a minha vida era tudo o que eu tinha a perder. Decidi, então, que me preservar seria a melhor opção e dei alguns passos para retornar ao interior da base militar. Me virei para desviar dos destroços da parede, e uma sensação bem específica calou o mundo ao meu redor.

Eu o senti, ali, o Executor que matou a minha irmã estava no prédio.

Era como se existíssemos apenas eu e ele. Eu não sabia se ele estava ali por mim, mas, dadas as regras naturais do nosso mundo, ele seria capaz de sentir a minha presença e eu era um assunto inacabado, alguém que sobreviveu a um ataque direto.

Passei pela porta e segui por um corredor à sua procura. Eu queria ter o mesmo fim que a minha família e aquilo fazia sentido para mim. Se eu o atingisse de alguma forma antes de morrer, então minha irmã estaria vingada. Então eu poderia perdoar Tagi e partir daquele mundo em paz. Meus pensamentos se fizeram massivos novamente e eu não enxerguei o caminho que percorri, apenas segui meus instintos, que me aproximaram cada vez mais do meu alvo. Eu parei na entrada de uma das celas do local e tive a certeza de que o confronto era iminente.

— Não, não por favor! — Alguém clamou pela própria vida. O som característico da lança rasgando a carne de sua vítima a fez calar.

Me prostrei na porta e vi que havia escombros por todo o ambiente. Uma parte do teto havia cedido junto com uma das paredes; dali era possível observar um outro lado da floresta que começava a escurecer. Eu empunhei a pedra afiada que carregava comigo e não hesitei em atirá-la no par de chifres protuberantes. O Executor se virou para mim, eu pude enxergar seus olhos pela abertura ínfima do elmo maciço. Na loucura das minhas percepções embriagadas pela desordem emocional, eu vi o olhar familiar de Cora ali. As lágrimas começaram a descer. Eu queria poder gritar, queria expressar em palavras todos os sentimentos que carreguei desde o nosso primeiro encontro. Eles me apertavam o peito, me sufocavam! Eu precisava tirá-los de mim!

Com o rosto tomado pelo choro abundante, eu lancei mais uma pedra e o Executor se pôs a caminhar. Ouvir aqueles passos novamente intensificou o meu desejo e a raiva que me movia. Aquele foi o som que deu início a todo o meu tormento. Eu peguei uma última pedra e não consegui lançar; meus sentimentos me causavam dor visceral. O lamento compulsivo e os músculos rígidos travaram todo o meu corpo. Eu caí de joelhos. Eu só queria ser levado para onde minha família estava, e aquele deveria ser o momento da minha partida. Levantei os olhos e vi o Executor se posicionando para o ataque, vi também sua lança ser arrancada de suas mãos. Percebi que a pedra que eu segurava fez alguns movimentos leves quando, pouco a pouco, os destroços que ali estavam começaram a levitar. Eles desafiaram as leis naturais como se houvessem se tornado mais leves que o ar.

— Afaste-se do garoto! — Alguém ordenou do meio da floresta. Olhei pela abertura na parede e vi uma figura imponente emanando poder. Ela empunhava a arma do Executor recém-tomada para si.

— Se as tuas origens remetem aos clãs exilados, então você está sob as ordens da tua regente! Afaste-se. Do. Garoto! — repetiu aquela mulher, que se movia sem que seus pés tocassem o chão. Os cabelos escuros, perfeitamente organizados em múltiplas tranças menores, flutuavam no ar como as pedras. A pele negra do seu rosto resplandecia ao ser tocada pela luz alaranjada do sol poente. Ela era forte; o corpo robusto preenchia as vestes confeccionadas a partir da couraça dos Dragões Vermelhos. Ela passava a impressão de ser quase tão ameaçadora quanto o próprio Executor.

— Em nome da Nação Exilada, eu ordeno que se afaste!

O Executor não se preocupou em virar-se para Leona. Ele desferiu um golpe no meu rosto, me fazendo cobrir a face instintivamente. Abri os olhos ao ouvir o impacto da pancada atrás de mim e me encontrei na floresta onde a líder exilada surgira. Ao me virar, vi Leona sendo atingida pelo guerreiro após trocar nossas posições através de magia. A violência empregada fez o corpo da anciã atravessar uma das paredes que ainda estavam em pé.

A impossibilidade de enxergar Leona me fez crer que ela foi soterrada. Eu estava prestes a testemunhar o quão resistente podia ser uma anciã. Da pilha de pedras, eu senti energia fluindo. Em instantes, os destroços que estavam sobre a regente explodiram e o próprio Executor foi pego pela performance. O corpo pesado do exilado atravessou uma árvore e parou em outra, próxima a mim. Ele fez um movimento de ataque tentando me alcançar, mas Leona foi mais rápida. Com gestos velozes dos braços, ela lançou contra o inimigo vários dos pesados blocos que levitavam pelo local, arrastando-o para o interior da floresta e me defendendo mais uma vez. Ela então veio até mim.

— Filho de Acalla, ouça as minhas palavras e mantenha firmes os teus ossos. Eu, Leona, na condição de anciã da magia da Telecinese, te abençoo para que performe a magia de início dos Filhos da Guerra. Que a Palavra de Ordem tenha efeito até o fim da tua existência, ou até que esta bênção lhe seja revogada conforme os desejos da própria entidade.

Tive a sensação de que meu peito foi invadido por uma quantidade absurda de ar. Eu tentei respirar e senti como se estivesse me afogando. Sentir a energia da bênção de Leona foi algo tão inesperado quanto doloroso. Meus pés deixaram de tocar o solo por um momento e meu corpo esteve leve como a brisa, até que eu caí sobre a grama úmida, desorientado e confuso. Ela expôs um sorriso perturbador e disse:

— O clã dos Filhos da Guerra te saúda e te recebe. A Nação Exilada está aberta a todas as vítimas da negligência de Acalla. Agora vá, salve-se e clame por mim quando decidir juntar-se a nós! — ordenou a anciã antes de entrar na floresta.

Ainda confuso, tentei me levantar e voltar para a vila em busca de socorro. Não consegui. Meus ossos doíam pelo peso esmagador da energia de Leona e ali eu permaneci. A floresta já estava escura e algumas coisas não passavam de borrões aleatórios, mas, mesmo com a penumbra, eu vi a líder da Nação Exilada estendendo as mãos ao Executor, ajudando-o a se levantar.

***

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