Episódio 15 - Dranô: Contato

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— Em que posso lhe servir? — questionou a cuidadora designada por Kassandra. Eu desejava ver Tagi. Tudo ali era estranhamente novo e minha jovem companheira era meu único vínculo com a antiga vida. Eu não me expliquei, apenas deixei meus aposentos no alto da torre e desci à sua procura. Pensei que a serva de Liera me seguiria, o que não aconteceu. Eu não era um prisioneiro e a regente deu ordens expressas para que as minhas necessidades fossem atendidas. Penso que a serviçal responsável por meus cuidados entendeu que minha única vontade era estar só.

Havia menos guardas do que eu esperava encontrar na parte interna do castelo de Acalla. Em contrapartida, eu sentia a potência das magias de proteção que guardavam o símbolo máximo do poder da nação. O meu desconhecimento do palácio tornou difícil a tarefa de encontrá-la. Eu transitei pelos andares superiores à sala do trono e circulei por alguns corredores. No ar se condensava uma neutralidade que dificultava o reconhecimento das energias dos residentes do castelo, inclusive da regente:

— Dranô? — disse Liera interrompendo o diálogo com um de seus ministros. — Em que posso lhe ser útil?

Eu respondi em pensamento, certo de que ela me entenderia de imediato.

— Eu não sei se é uma boa ideia. Tagi está em uma sala protegida, um lugar inacessível até mesmo aos anciões.

— Deixe-o vê-la, se este for o desejo do garoto — intercedeu o ministro. — Eles passaram por traumas demais, não é justo privá-los do conforto do contato.

Ela ponderou por um instante.

— Eu precisarei cobrir os teus sentidos. A sala anulará os teus poderes, então não estranhe se eles não funcionarem.

Liera sussurrou algumas palavras sobre mim. Por um breve momento, eu existi apenas como um ser alheio ao mundo físico. Mente e corpo desconectados por magia e o tempo em si parou de fazer sentido. Novas palavras ecoaram pelo vazio por onde eu pairava, me trazendo aos poucos à experiência das minhas próprias sensações. Me tornar um praticante de magia aumentou minha sensibilidade às energias dos seres. A primeira coisa que senti, antes mesmo de recobrar a visão, foi o quão baixa estava a energia vital dos cidadãos feridos. Eles estavam perdendo a batalha contra a infecção causada pelos Executores.

Quando a turves dos meus olhos se esvaiu, a clareza da realidade me mostrou que a luta da minha companheira era pior do que as sensações poderiam me contar. As chagas tomaram quase todo o seu corpo, e em certas partes mal se via sua pele. O sangue exposto e as veias saltadas mostravam a pressão interna que a acometia. Ela estava sofrendo.

— Eu também queria te poupar disso — disse a líder de Acalla. Com os olhos fixados no corpo apodrecido de Tagi, eu estendi as mãos e busquei apoio me agarrando às vestes da regente. — Eu sinto muito que você tenha que ver isso. Sinto muito que ela tenha que passar por isso.

Ter Liera ali comigo me ajudou a não desmoronar. Até a presença silenciosa de Salazar me inspirou cuidados. O choque daquele contato e a materialização de mais uma perda seria demais sob outras circunstâncias. E não apenas por Tagi, mas também pelas indagações involuntárias que fiz a mim mesmo sobre as execuções de Cora e de minha mãe. Aqueles pensamentos me fizeram transitar entre a insanidade e a lucidez. Por fim, eu escolhi acreditar que a elas foi reservada uma execução rápida e misericordiosa.

— Eu coloquei o melhor curandeiro da nação a serviço dos sobreviventes, mas mesmo a magia dele parece não surtir efeito contra a infecção. Dranô, eu vi tudo o que você passou nas mãos dos Exilados. Já que estamos aqui, eu preciso que se prepare para o pior — ela colocou a mão sobre meu ombro e me puxou para perto de si. — Eu me coloco à disposição para que você se despeça dela. Um último contato, o encerramento e a despedida que os Exilados lhe roubaram antes. Não precisa ser assim agora.

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