Episódio 13 - Origens III

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A grandeza sempre foi uma qualidade reconhecida em Acalla. O conceito incorporado em seu nome desde o surgir da nova nação parecia apropriado, justo, um constante lembrete daquilo que se estabeleceu como um desejo em comum. Quando as entidades nomearam seus anciões e os Independentes se uniram em prol da preservação, a Grande Nação surgiu maior, surgiu mais forte, unificando os dez clãs e tornando-os uma sociedade de potências. O respeito aos anciões era pregado acima de tudo; o conjunto de líderes que zelavam pelas tradições dos povos que eles representavam fortalecia a pluralidade e permitia que a nação atendesse aos interesses de todos os que estavam sob o seu manto de proteção.

Tão grande quanto a nação em si foi o legado da regência coletiva que cessou a fome. As guerras entre os clãs já não faziam mais vítimas, e as garantias igualitárias permitiram o pleno desenvolvimento das diversas camadas sociais. Mas, para aqueles seduzidos pelo desejo da grandeza individual, a igualdade se mostrava um conceito incompatível e contrário. Essa era a contrariedade que guiava os caminhos do jovem Neali, o ancião do clã mentalista que detinha um lugar equivalente na liderança da nação.

— Se a mente guia o corpo, então é natural que as magias da mente se sobreponham às demais.

Os ideais contrários de Neali eram pregados em seu clã. Os mentalistas reconheciam em suas práticas místicas a superioridade sobre os demais povos, fomentada pelo discurso do ancião que não reconhecia legitimidade na regência coletiva, especialmente por parte daqueles cujos rituais cultuavam entidades como a Escuridão e a Morte.

A ideologia mentalista, aceita entre os adeptos do clã, tornou aquela uma causa para se acreditar; era mera questão de oportunidade até ela se transformar também em uma causa pela qual lutar. Foi durante a estação fria da segunda era da Grande Nação que a ruptura aconteceu. Os povos do Norte sucumbiram ao frio extremo; as geadas inesperadas obrigaram os sobreviventes a migrarem para o interior aquecido da nação, território ocupado em toda a sua extensão pelos clãs da Cura e da Mente. O clã de Neali o venerava como um ser superior, e seus homens se comportavam como soldados que obedeciam cegamente ao seu líder. Ao tomar conhecimento da migração que vinha do Norte, os mentalistas selaram as fronteiras de suas terras, exigindo que os Seguidores da Morte renunciassem suas práticas e se curvassem perante a entidade da mente. Ante a recusa e ao enfrentamento, Neali se agarrou à mente de cada um dos migrantes, ordenando que seus corpos possuídos levantassem suas espadas contra si, levando até o último súdito da morte ao próprio fim.

Apenas a vida do ancião da Morte foi poupada, em um apelo para que se curvasse à grandeza das magias mentais, e assim ele o fez, rendido ao medo de sucumbir à crueldade do novo tirano que se erguia. A informação do ataque percorreu a nação, e a matança foi tratada pelos mentalistas como uma oferta à superioridade moral que se construía.

— Vida e morte não se constituem em semelhança, mas se contrapõem em relação antagônica, e uma precisa ser combatida. Eu dedico a queda das magias da Morte ao clã Curandeiro, que a vida prospere como as entidades os abençoaram para fazer.

O ideal da oposição foi aceito por alguns. Neali sabia que a manifestação da grandeza mentalista não seria alcançada sem apoio, a dedicatória do massacre foi também um convite à aliança. Sua palavra dizia que a cura prevaleceria com a extinção daqueles que ameaçavam a entidade da vida. As práticas opositoras foram consideradas profanas e uma ofensa ao Deus que buscava a soberania da razão.

— Se uma entidade prega a vida, aqueles que cultuam a morte são seus opositores. Se uma se vale da mente como forma de controle do mundo, aqueles que a utilizam para outros fins também são contra nós. Somos naturalmente oposição e naturalmente superiores.

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