Foragido

791 101 74
                                    

Dessa vez, não acordei no apartamento que eu estava tão acostumado a acordar todas as manhãs, nem acordei numa enfermaria, mas sim num quarto de um hospital que ficava a vários quilômetros de distância da cidade em que vivi por quase um ano.

Havia uma dor latejante que percorria toda a minha perna e tudo o que eu podia fazer era descansar deitado na cama, enquanto um maluco ficava me encarando.

O maluco em questão estava sentado do meu lado, enquanto cutucava meu rosto.

— Vamos lá, olha pra mim, você não pode continuar me ignorando o dia inteiro só porque demorei pra te trazer aqui...

Sim, eu posso. Pensei.

Me recusava a olhar pra ele, eu já estava irritado o suficiente pela dor na minha perna engessada que parecia piorar a cada segundo, a princípio pensei que estava quebrada, mas foi só uma fratura simples que ficaria curada em algumas semanas, mesmo assim doía muito. Já fui generoso o suficiente de não esganar o pescoço dele.

Na verdade, eu não estava sendo generoso, eu só não fiz isso porque seria mais fácil eu ser morto do que conseguir matar ele. De todo jeito, eu não queria realmente matar ele, era só um desejo momentâneo.

Mesmo que ontem tivéssemos tido um momento "amigável", eu ainda não conseguia confiar nele, apenas olhar para ele e saber o que ele era me dava calafrios, porque não era comum uma coisa como ele ser tão amigável.

Eu nunca sabia o que ele estava pensando e isso era angustiante, não é como se eu fosse um telepata, mas qualquer um consegue associar o rosto de alguém a alguma emoção e tentar adivinhar o que essa pessoa está pensando. Acontece que isso era impossível com essa coisa, era como se houvesse uma barreira e eu não conseguia me conectar, eu sentia como se estivesse olhando para um papel em branco.

Não tive tempo de continuar pensando. Esse idiota não parava de me cutucar e eu estava a um fio de perder a paciência, então dei um tapa na mão dele, a afastando do meu rosto.

— Para de ser irritante!

Ele abriu um sorriso maior e segurou a mão que deu um tapa na dele.

— Você finalmente parou com esse jogo de me ignorar! — ele colocou a mão dele no travesseiro ao meu lado, enquanto aproximava o rosto do meu. — Vamos beijar... Eu quero de novo.

Eu cobri os lábios dele com minhas mãos.

— De novo não! Uma vez ontem já foi o suficiente, sem mais beijos. — eu bufei, franzindo a testa. — Além disso, temos outras coisas para nos preocuparmos.

Ele inclinou a cabeça para o lado, assim como um cachorro confuso faria, enquanto me encarava.

— Que outras coisas?

Eu dei um longo suspiro, antes de olhar para ele e dar um sermão.

— Você matou todos aqueles caras ontem e simplesmente deixou os corpos deles no local, sem nem mesmo limpar a cena do crime, você até deixou a van abandonada lá!

— E...?

— E então eu provavelmente vou ser procurado como foragido!

O doppelganger inclinou mais a cabeça, como se isso não fizesse sentido pra ele.

— Mas você não cometeu nenhum crime, além disso, aquelas pessoas não estavam te sequestrando? Se você está preocupado em ser culpado pelas mortes deles, não precisa se preocupar, vocês humanos não tem uma lei chamada legítima defesa?

Minha boca ficou entreaberta, enquanto eu olhava para ele indignado. Sequestrado? De onde ele tirou isso? Acho que superestimei a inteligência dele.

— Que? Eu não fui sequestrado e é justamente esse o ponto! Eu estava sendo preso, mas ao invés de ir pra prisão e eu ia ir para outra lugar. Eu também não poderia ser culpado pelas mortes, você deixou muitas provas de que o que fez aquilo não foi alguém humano.  — eu revirei os olhos, dando um supiro.

The Milkman | That's not my neighbor Onde histórias criam vida. Descubra agora