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O dia seguinte emergiu como um sopro após uma das noites mais angustiantes da minha vida. Não foi o frio que me fez tremer durante a madrugada, mas sim o peso da culpa que mantinha meus olhos tensos e pesados, testemunhando o lento deslizar da lua cheia pela janela. Meu travesseiro, recheado de penas de ganso, parecia ter se transformado em espinhos de rosa vermelha. Vermelho de sangue. Sangue das crianças, sangue de Tony. 

Virei-me de um lado para o outro, incapaz de encontrar paz debaixo das cobertas, enquanto meu corpo inquieto se debatia na tentativa vã de encontrar conforto. Ao menos, não tive outro daqueles pesadelos.

Fui a primeira a levantar, às seis da manhã, incapaz de suportar mais um segundo confinada entre as quatro paredes brancas do meu quarto. Dirigi-me à sala e me acomodei no sofá, observando as estrelas se apagando diante dos primeiros raios de sol. 

Nenhum dos dois brilhos parecia alcançar-me.

À medida que o tempo avançava, as pessoas começaram a emergir e a se mover ao meu redor. A maioria seguia em direção à cozinha, onde os sons matinais da preparação do café da manhã começavam a ecoar. Copos, pratos, liquidificador: cada barulho parecia convidar-me a participar, mas nenhum deles conseguiu convencer-me verdadeiramente. Observei o vai e vem das pessoas, respondendo aos "bom dia" com acenos breves, desprovidos de significado.

Steve não estava presente naquela manhã. Mesmo reservada no canto do sofá, esperei em vão pela visão da cabeleira loira do Capitão surgindo pelos corredores. Ele certamente não estava dormindo, pois sempre foi um dos primeiros a despertar no complexo. As manhãs geralmente o encontravam disposto e mandão, mas sempre havia uma bondade subjacente em seu semblante. Isso ficou evidente em suas palavras no dia anterior, quando se ofereceu para assumir minha luta para que eu pudesse me recuperar. Embora duvidasse que isso aconteceria em breve, eu admirava seu otimismo em relação a mim.

Meus olhos ergueram-se do chão apenas quando Thor trouxe uma tigela de iogurte com mel. Ele colocou-a delicadamente no braço do sofá e disse.

— Como não te vi no café da manhã, achei melhor trazer isso para você...

Agradeci com um sorriso fraco, embora não conseguisse ocultar a falta de ânimo em meus olhos.

— Não sabia exatamente o que oferecer, já que não parece gostar de carne pela manhã, mas vi Natasha comer iogurte, então imaginei que vocês mulheres apreciassem as mesmas coisas e... bem, deixa pra lá. Bom apetite!

Balancei a cabeça em concordância e, assim que fiquei sozinha, observei a refeição à minha frente, sem sentir nada. Meu estômago não roncava, minha boca não salivava. Nem mesmo o brilho dourado do mel conseguiu despertar meu apetite. Minha mão tocou a colher gelada e remexeu o iogurte, formando um redemoinho de cores sem vida, sem qualquer desejo de levá-lo à minha boca.

Minha última refeição havia sido aquele bolinho que comi por impulso após a reunião do relatório na noite anterior. Nem mesmo ele consegui ingerir completamente, pois a massa densa do cupcake era difícil de engolir, e meu corpo recusava-se a aceitar qualquer alimento desde então. 

Simplesmente não tinha fome, e quando tentava forçar algo, meu estômago revirava-se diante da lembrança dolorosa das vidas perdidas, ou das que ainda poderiam ser perdidas, devido à minha resistência à Hydra.

Talvez eu pudesse poupar a todos do sofrimento e me entregar logo à facção. Parecia justo. Uma vida por várias outras. Minha vida pela vida de crianças inocentes. Eu preferia que meu próprio sangue escorresse entre meus dedos do que o de qualquer outra pessoa.

Se eu pudesse, não me entregaria. Fácil dizer, impossível de fazer. Eu não tinha opções, não me deram outra chance. Ou lute para viver e mate vários, ou se entregue e continue matando vários, dessa vez, com suas próprias mãos. Isso não era uma escolha, era tortura.

Warrior | Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora