CAPÍTULO 5

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Eu vou te procurar no tempo que parou
Não importa os obstáculos, eu sempre acabo ao seu lado
Minha longa, longa jornada termina e eu volto
Encontro meu caminho de volta para casa
Para você novamente

Way back home - Shaun


Não é real. Eu enlouqueci finalmente?

Não consigo me mexer ou desgrudar os olhos do seu rosto. Seu olhar desinteressado passar por mim como se não me visse e sinto um soco no estômago. A mulher volta a sua atenção para o celular e sorri para algo na tela, ouço o som abafado de uma voz eletrônica e o vagão deslizando pelos trilhos fazendo que o vento bagunce os seus cabelos e os meus, mas não me importo.

Assisto-a embarcar com uma vaga preocupação de que eu deveria fazer o mesmo. O que estou fazendo? Não pode ser Anne... Mas, e se for? Vou perdê-la de vista mais uma vez?

Mexa-se

A voz em minha mente implora, mas aperto as mãos em punhos e permaneço parado. Não consigo.

Deixo as portas se fecharem e selo o grito atrás dos meus lábios ouvindo-o apenas na minha cabeça, ainda consigo vê-la através do vidro enquanto o vagão volta a andar.

E então, por um segundo, seu olhar encontra diretamente o meu e sinto o coração saltar dentro do peito, vivo e desperto como há muito tempo não sentia. Seus olhos castanhos estão em mim e uma emoção indecifrável passa por eles ao se arregalarem levemente, até o vagão seguir em frente e sumir pelos trilhos.

Eu nunca esqueceria aqueles olhos.

Olhos que em seis vidas vi apenas uma vez.

Senti como se rompesse a superfície de um mar agitado e de repente percebesse as águas calmas. O sentimento de abrir um velho diário apertado de segredos e lembranças, voltar no tempo através de uma foto amarelada. Finalmente eu podia respirar.

Meu corpo vibra e minhas mãos formigam, vejo meu peito descer e subir de maneira irregular, um riso incrédulo escapa dos meus lábios involuntariamente enquanto uma onda de emoções confusas me atravessa.

Encontrei você.

Depois de alguns minutos me recompus o suficiente para pegar um táxi de voltar para casa, ainda desnorteado e sem saber bem o que fazer. Chego e me sento no chão da sala apoiando as costas no sofá, suspiro e coloco a cabeça entre os joelhos.

De alguma maneira inexplicável é ela. Talvez tenha renascido também, porém com a mesma aparência de mais de um século atrás? Faz um pouco de sentido, pelo menos observando a realidade em que me encontro em que quase nada é normal. Eu não sou normal.

Mas será a mesma pessoa? A mesma alma que se conectou com a minha tantos anos atrás? Eu mesmo mudei muito desde aquele tempo, quem sabe as modificações que o espírito de Anne também sofreu. Esse sequer é o seu nome agora de qualquer maneira. O que devo fazer? Encontrá-la novamente?

E quando a encontrar, irei querer reatar o que não pudemos ter antes? Puxá-la para bagunça que é a minha mente e coração? E no fim, sofrer a dor de perdê-la novamente depois de finalmente ter conhecido a felicidade? Por que irei perdê-la, irei renascer e lembrar de tudo mais uma vez, em uma nova época em que ela não irá existir. Um ciclo sem fim. Posso fazer isso de novo? 

Fico em silêncio sendo torturado com essas perguntas e dúvidas. Jogo o cabeça para trás e xingo frustrado. Olho para o teto me concentrando em apenas respirar, então fecho os olhos e abro a porta em minha mente em que mantive trancadas todas as minhas lembranças. Revivo os sentimentos de amor, amizade, dor e tristeza. Seu rosto passa por trás das minhas pálpebras e sua voz ressoa em meus ouvidos, como se estivesse sentada bem ao leu lado, chamando um nome que quase esqueci.

Por favor, Henry

Trinco os dentes e abro os olhos.

Eu irei encontrá-la, nem que precise ficar horas parado naquela maldita estação apenas a esperando. Não vou cometer o mesmo erro e pouco me importa a dor que terei no futuro, já estou me acostumando com ela mesmo.

Tenho que vê-la novamente, garantir que foi real e que ela está realmente aqui. Não quero pensar em questões pessimistas agora, não me importa. 

Por mais que tenha tentado esquecer e negar, ainda não consegui deixar de amar a lembrança daquela jovem garota que me encantou há tantos anos atrás. Assim, se de algum modo eu conseguir fazer parte da vida dela e ela da minha, da maneira que fosse, então dessa vez eu brigaria, amaldiçoaria e iria até o inferno se fosse preciso.

Se essa é minha segunda chance, não irei desperdiçá-la.

XxxxX

Falar é mais fácil que fazer.

Durante três dias seguidos eu a procurei, pela estação de manhã quando ia trabalhar ou de noite quando voltava, olhando para todos os lados e analisando todos os rostos como um louco, em busca de qualquer vislumbre daquele cabelo dourado. Estranho, foi apenas naquela noite que ela pegou o mesmo metrô que eu normalmente pego?

Minha esperança estava murchando e morrendo aos poucos. Não sei nada sobre ela nessa vida, não tenho nenhum nome para chamar.

Na quarta noite frustrada caminho para fora da estação em passos desanimados, esperei tanto que até deixei o metrô que pegaria ir, apenas para ver se ela apareceria mais tarde, mas foi em vão. Não importa, não vou desistir.

Não consigo desistir do desejo de ao menos vê-la, mesmo que pela última vez. De ver que nessa vida ela está bem e vivendo todos os sonhos que sua alma uma vez desejou tão ardentemente, que nenhuma doença a impede agora, tendo a liberdade que sempre quis.

— Com licença? Você deixou cair isso — me viro e vejo uma mão estendo um papel dobrado na minha direção, provavelmente caiu da minha pasta e nem percebi.

— Ah. Obrigado — pego a folha e levanto a cabeça. Sou presenteado com um sorriso gentil e mais uma vez perco minha capacidade de falar.

— Você parecia distraído — comenta me olhando de cima a baixo com aqueles inesquecíveis olhos. Solto o ar lentamente pela boca e o alívio percorre meu corpo tão forte que quase caio de joelhos. Abro a boca para tentar dizer algo, mas minha mente parece um quadro branco. — Está tudo bem? — suas sobrancelhas se franzem e percebo que devo parecer um esquisitão apenas a encarando daquela maneira. Pigarreio e forço um sorriso mínimo, pois meus lábios teimam em sorrir largamente.

— Sim, senhorita. Estava distraído pois havia perdido algo muito importante para mim, felizmente já o encontrei — vejo suas sobrancelhas se erguerem levemente e mordo a língua sentindo meu rosto esquentar. Já faz tanto tempo desde que tentei cortejar alguém, não faço ideia do que dizer. O que as pessoas falam atualmente? Pedem o número de telefone? Mas assim, do nada?

— Entendi... Bem, realmente parecia perdido em pensamentos, o chamei três vezes — ela olha para o celular e faz uma careta — E já deu a minha hora. Foi um prazer, até — acena e vira para sair. No impulso acabo pegando sua mão.

— Espere — chamo um pouco alto demais e me encolho internamente diante do seu olhar desconfiado ao se virar novamente na minha direção. Está dando tudo errado, mas não sei como chamá-la para sair sem parecer um idiota.

Bem, do modo antigo então.

Respiro fundo e faço uma mensura na sua direção, de forma idêntica as minhas lembranças passadas, beijo rapidamente sua mão e encontro seu olhar surpreso. — Espero que possa me dar a chance de encontrá-la novamente — solto seus dedos a contragosto e me afasto em passos largos tentando não correr.

Passo pela esquina e encosto as costas na parede para ganhar apoio, cubro os olhos com a mão sentindo a vergonhar queimar em meu rosto.

Ao menos sei que ela, definitivamente, vai lembrar de mim.  

XxxxX

Esse capítulo foi mais curtinho. O que estão achando da história até agora?

Não esqueçam de comentar e votar caso estejam gostando. Até o próximo capítulo! ^^ S2

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