CAPÍTULO 6 - Quarta

74 41 86
                                    

Onde você está agora?
Atlântida, no fundo do mar, no fundo do mar
Onde você está agora? Outro sonho
O monstro está correndo solto dentro de mim
Estou desaparecendo, estou desaparecendo
Tão perdida, estou desaparecendo, estou desaparecendo

Faded - Alan Walker

O destino tinha um senso de humor distorcido, disso eu tinha certeza. Ou talvez fosse culpa de Anne, por dizer tantas vezes que eu não entendia como podia ser difícil o papel das mulheres na sociedade. Pois bem, na minha quarta vida eu vi de camarote.

Meu nome era Emma Albuquerque, nasci dessa vez no Brasil, na cidade de São Paulo em 1901, vivia com os meus pais e um irmão mais velho. Devo dizer que quando completei dez anos e retomei minhas memórias eu tive muito para absorver, talvez por ter vivido uma infância comum não foi tão difícil, mas ainda era muito informação, quatro décadas de mudanças mais especificamente. Além de sentir a dor do luto pela mulher que amei e pela nossa história que não foi escrita.

Minha família não era rica, mas tínhamos uma renda razoável, então dinheiro não era uma grande preocupação felizmente. Cresci em um ambiente saudável, meus pais pareciam ter casado por amor e foi divertido experimentar a sensação de ter um irmão novamente, seu nome era Antônio. Não existiam intrigas familiares ou um alvo em minhas costas, era uma sensação ótima.

Mas havia um porém.

Apesar de estar em uma forma feminina, meus gostos não haviam mudado, homens não me interessavam nem um pouco romanticamente e sinceramente era uma dor de cabeça sempre que mencionavam a possibilidade de um matrimônio, ou o fato dos meus trejeitos e expressões serem muito masculinos e feios para uma dama. Usar um vestido era um pesadelo, principalmente tendo a lembrança de já ter usado roupas masculinas mais confortáveis, não sabia como as mulheres aguentavam tantos tecidos sufocantes, sapatos apertados, chapéus pesados e exagerados, além da peça torturante que chamavam de espartilho.

Não apenas isso, mas ter a atenção para falar delicadamente e se mover de forma suave, não rir alto demais, não opinar demais e sempre pedindo permissão para o meu pai ou meu irmão se quisesse sair até para um simples passeio, aparentemente era apenas uma continuação do século 19. Eu entendi finalmente Anne, eu entendi.

Me apaixonei pela pintura ainda criança, por incentivo de meu pai, ele era um artista e possuía seu próprio ateliê no quarto dos fundos da casa. Lembro de passar várias tardes com ele enquanto me ensinava a segurar o pincel e misturar as cores, internamente eu me sentia um pouco mais próximo da minha velha amiga ao me dedicar as pinturas, a dor ia diminuindo a cada pincelada.

Estudei em um colégio de freiras e completei meus estudos no exterior, acabei indo para a Espanha onde nunca havia estado e me encantei com o país. Apesar de me sentir limitado e um pouco cansado pelas três vidas anteriores, agarrei a minha quarta vida com determinação, querendo experimentar esse novo mundo que eu desconhecia e todas as descobertas que surgiam de uma vez.

Sentia uma mistura do velho com o novo, pois apesar das novidades tecnológicas, a sociedade ainda se portava semelhante ao modo que eu estava acostumado, só que em outro continente e com algumas particularidades culturais

Voltei para o Brasil e recebi dias depois a notícia que o país tinha decidido entrar na Primeira Guerra mundial. Meu pai foi dispensado, mas meu irmão era militar e foi recrutado.

Se tive família na minha primeira vida, estava experimentando a dor que eles devem ter sentido, com 16 anos dei adeus ao meu irmão na porta de casa, sentindo como se uma pedra estivesse esmagando meu coração. Minha mãe apertava uma cruz fortemente entre os dedos, parecia que a religião sempre seria uma constante em minha vida, mas lembro que naquele instante um sentimento de revolta me invadiu, quis arrancar aquilo de sua mão e gritar o quão inútil era.

Terceira ChanceOnde histórias criam vida. Descubra agora