🚩CAPÍTULO 10 - Quinta e Sexta 🚩

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Eles agora estão batendo na sua porta
Medem a sala, sabem o resultado
Eles estão limpando o chão do açougueiro
De seus pequenos corações quebrados
Ó, crianças

Perdoe-nos agora pelo que fizemos
Tudo começou como um pouco de diversão
Aqui, peguem isto antes que fujamos
As chaves do gulag

O Children - Nick Cave & The Bad Seeds

É quase inacreditável o quanto as pessoas podem ficar cegas quando presas aos seus ideais. Como podem ser seduzidas por um homem com o poder de cativar o público com a língua, desenvolvendo uma adoração à falsos heróis e símbolos manchados de sangue. Quando tiveram a chance de dar vazão ao sentimento de ódio, revanchismo e vingança, colocaram em prática os esboços de ideias ridículas de superioridade, intolerância e crueldade sem justificativa.

Promessas de salvação e economia que de fato foram cumpridas, pois apesar do cruel aquele homem não era burro, mas foi à custa de milhares de vidas, tudo em buscar de um mundo "perfeito", "limpo", "puro". Pintaram monstros e palhaços, propagaram imagens que ridicularizavam e humilhavam, segregaram e eliminaram os "deficientes", queimaram as palavras da oposição. Atitudes que foram banalizadas, uma massa sujeita a lavagem cerebral desde jovens.

O inferno na terra, foi o lugar em que estive na minha quinta vida.

Nasci em outubro de 1928, em Lódz, Polônia. Recebi o nome de Emil Glogowski, era filho de um pai comerciante e uma mãe costureira, fui criado em uma casa pequena e simples. Me educaram dentro da doutrina judaica, foi uma experiência interessante visto que até aquele momento tinha tido mais contato apenas com Cristianismo.

Mas religião ainda era um assunto confuso para mim, é até hoje em dia na verdade, não sei bem no que acreditar ou não. Divago várias vezes se realmente existe um Deus ou se as pessoas o criaram porque precisam de algo, um símbolo de esperança no qual se agarrar, um motivo para a nossa existência. De qualquer forma, estudei os pilares do judaísmo e segui suas crenças e rituais, admito que as orações sempre aqueciam o meu coração, então não pensei ou questionei muito.  

Novamente no meu décimo aniversário lembrei das minhas vidas anteriores, minha alma estava começando a ficar desgastada. Por que eu tinha que continuar lembrando de tudo? Como poderia seguir minha nova vida se me sentia preso a imagens e sentimentos do passado?

Minha antiga família e Charlie ainda estavam vivos, já que renasci apenas três anos após minha quarta morte. Perguntei-me como estariam, fantasiei como seria visitá-los. O que achariam de um menino polonês batendo em suas portas declarando ser sua antiga filha morta? E meus pais atuais? O que diriam se ouvissem essa história bizarra do seu filho de 10 anos?

Dispensei a ideia, é claro. Se mesmo para mim era difícil de acreditar, imagine para outras pessoas. Não, nenhum deles acreditaria em mim. Houve apenas uma vez em que desejei compartilhar esse segredo, com uma alma que parecia se assemelhar a minha, mas isso já fazia muito tempo.

Minha família não era ruim, lembro que aqueles dias eram felizes, apesar de alguns problemas pessoais e financeiros, estava tudo bem. O amor dos meus pais suprimia o meu sofrimento interno e os momentos ao lado deles se tornaram a minha força.

Os problemas começaram aos poucos: xingamentos, rostos virados, olhares raivosos. Divisões cada vez mais explícitas, espaços inacessíveis, opressão e intolerância. De onde vinha tamanho ódio?

Se eu tirasse a estrela de Davi que minha mãe foi obrigada a costurar em minha roupa, enquanto suas mãos tremiam incontrolavelmente, me tratariam diferente? Aquele símbolo amarelo com linhas pretas bastava para me reduzirem a menos que um ser humano? Tinham eles o direito de humilhar minha mãe? De saquear e quebrar o comércio de meu pai? De me espancarem mesmo sendo apenas uma criança de 13 anos? Nós éramos os animais inferiores? Os gananciosos? Pecadores?

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