Capítulo 7 ( Língua de trapos)

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       Na pequena cidade em que nasci e cresci, um lugar quase esquecido, como muitos moradores locais costumavam dizer, não era exatamente um destino atrativo para casais em lua de mel ou turistas em busca de aventuras. Mas para mim, era um lugar que eu desejava abandonar. Entre meus maiores sonhos estava a possibilidade de escapar desse fim de mundo, encontrar uma alternativa que me libertasse dessa realidade limitante. Aos vinte anos, a expectativa para uma jovem como eu era se casar com um funcionário do governo, ter filhos e se tornar uma dedicada dona de casa. Porém, para mim, isso estava fora de cogitação. Eu já havia traçado um plano infalível.

Meu itinerário diário se resumia a partir das oito da manhã e se estendia até o pôr do sol, às dezoito horas. Como já havia concluído meus estudos, o que se tornou mais prático dadas as circunstâncias, decidi buscar um emprego sério, deixando de lado os pequenos trabalhos temporários. Por meio de favores que o dono da funerária local devia ao meu pai, consegui uma vaga como maquiadora, ou melhor, uma Necromaquiadora. Maquiadora de defunto. Irônico, não é? No entanto, imagine por um instante; eu mal conseguia dedicar a devida atenção a mim mesma, quanto mais aos outros. Em certos aspectos, isso até era bom, pois ninguém reclamava. Eu poderia fazer uma maquiagem extravagante por capricho e ainda assim não receberia qualquer repreensão. No entanto, nem sempre era possível, pois mesmo com o corpo já frio, o dono(a) dele(a) às vezes aparecia para dar algumas sugestões. Era bastante inconveniente, mas o que eu poderia fazer além de atender ao seu último desejo?

Essa idade era tão complexa, cheia de manias desnecessárias. Eu já havia deixado de ser adolescente, mas ainda não era considerada uma adulta. Era uma fase repleta de expectativas financeiras e grandes realizações esperando por mim. Sem dúvida, eu estava ansiosa para que tudo isso se tornasse realidade. Guardava cada centavo extra que ganhava dos meus clientes, bônus por um trabalho bem-feito.

Acreditava que, ao acumular uma certa quantia, poderia fugir para longe dali. No entanto, era ingênuo pensar que seria tão fácil assim. Os dias se passavam, as horas se transformavam em semanas, e as semanas em meses, até que finalmente avistei minha tão sonhada liberdade se aproximando, recolhendo suas malas e me dando seu último adeus.

Sentia uma constante vontade de largar tudo e fugir, mas para onde eu iria? Provavelmente para lugar nenhum, e a coragem era o que me faltava. Ainda estava presa a muitos medos, influenciada pelos receios que me foram incutidos sobre as pessoas e os lugares. Infelizmente, meu plano de fuga acabava por não se concretizar. Tivemos algumas mudanças no decorrer dos anos, e ao total foram mais de oito moradas, até que por um milagre divino, finalmente papai se acomodou em um novo trabalho, devido a tal oportunidade, a família também se acomodou.

O bairro onde residiam, recebia a fama de ser um lugar pouco convencional. Tomada por uma rua muito extensa de trabalhadores locais, onde um lado era preenchido por uma mediana igreja, um hospital, seguido por uma casa funerária, onde inclusive eu trabalhava. O velório onde sempre alguém, partia dessa para melhor, e por ali eram velados.

E por fim, o cemitério local, onde papai era coveiro. Já do seu lado oposto, residiam médicos, enfermeiros, coveiros, donos de funerárias, e é claro uma boa frota de carolas bisbilhoteiras. Aquelas do tipo em que pode se contar, como um jornal diário.

Esta era a função de dona Margarida, na qual por de trás de uma típica dona de casa, escondia-se uma verdadeira líder das alcoviteiras.

Com muito tempo livre, dona Margarida, viúva do falecido Eugênio, um respeitado ex-chefe de polícia que deixou uma pensão generosa para sua esposa, não tinha mais preocupações financeiras e adorava se gabar disso para todos que encontrava. Com baixa estatura, corpo robusto e cabelos grisalhos e longos sempre presos com grampos, ela passava a maior parte do seu dia na varanda de sua casa. Assim como de costume, todas as manhãs, dona Margarida acordava e logo pegava sua vassoura de palha, usando-a como pretexto para começar suas "aventuras". Varrendo de um lado para o outro, tirando um pouco de poeira aqui e ali, ela tomava conta da vida alheia. E por ironia do destino, eu era sua vizinha, e regularmente ouvia seus comentários maldosos sobre todos no bairro, inclusive eu não escapava de sua língua afiada. Muitas vezes a ouvi reclamar dos serviços que meu pai prestava, especialmente dos cuidados com a lápide de seu esposo. Isso era profundamente ofensivo, pois a velha fofoqueira do bairro não tinha limites em sua crueldade, causando diversos inconvenientes para minha família e os demais moradores. Porém, de acordo com as leis perfeitas que regem este mundo, toda ação corresponde a uma reação.

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