Capítulo Vinte

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Se tinha uma coisa que Maisie tinha certeza que não poderia ser era espiam ou detetive. Não havia nada mais entediante do que ficar dentro de um carro monitorando todos os passos que um idiota riquinho fazia.

Em dois dias que estavam monitorando Wesley, Maisie calculou que ele acordava às 5h30, fazia 30 minutos corrida e depois ia para o colégio, às 13h45 fazia natação até às 15h00, ia para a aula de violoncelo às 15h30 e voltava para casa às 17h15, provavelmente ia dormir às 22h00 e só saia novamente no dia seguinte.

O menino era um tédio.

— Que horas são agora? — ela perguntou a Six que estava sentada do seu lado na calçada da esquina da rua de Wesley.

Invés de responder (o que ela acreditou que Six estivesse cansada já), ela mostrou a tela do celular para que Maisie visse.

22h38. O menino provavelmente já estava dormindo.

— Quer assistir mais um episódio de Killing Eve?

— Não. — Maisie respondeu, seca como folhas de outono caídas no chão. — Vamos pra casa.

— Mas... Logo agora que a Carolyn ia descobrir quem matou o... — antes que ela pudesse concluir, Maisie a cortou:

— Foi o Konstantin.

Se levantou da calçada, limpando sua calça preta e dando pulinhos para o sangue voltar a correr em suas pernas. Depois que se alongou, notou o silêncio.

— Você... Já tinha assistido essa série?

— Sim, duas vezes.

— Então... Por que aceitou assistir comigo?

Maisie olha para Six sentada na calçada, a luz do poste iluminando seus traços delicados sob uma franja desfiada que realçada os olhos azuis escuros.

— Pra você assistir e calar a boca. — o que não deu muito certo, pois Six pausava a série o tempo todo para comentar algo. Ela era bem tagarela e Maisie estava enlouquecendo.

E Six só havia notado isso naquele segundo.

— Se quisesse que eu ficasse quieta era só ter me pedido. Eu teria ficado... Mesmo. — ela guardou o celular na bolsa e cruzou os braços, evitando o olhar dela.

A culpa caiu sobre os ombros de Maisie como chumbo. Não queria ter sido grossa com a menor, mas ela presava pela paz... E Six era sinônimo de barulho e caos.

— Me desc... — antes mesmo que pudesse completar sua frase, o som metálico da garagem da casa de Wesley atrapalhou que suas palavras chegassem aos ouvidos de Six, esta que a puxou para que elas se abaixassem atrás da moto.

Wesley saiu com uma caminhonete às 22h46 de uma quinta-feira. Aquele não era seu horário habitual de saídas.

— Maisie, vai. — o empurrão que recebeu a fez voltar a realidade em um passe de mágica. Sua perna passou pela moto e o capacete se encaixou em sua cabeça como uma luva, os braços de Six apertaram a cintura dela, como se o encaixasse do seu corpo pertencesse ao dela.

O pneu cantou quando Wesley já estava em uma distância considerável para não ouvir ou vê-las. O caminho que ele estava fazendo era um caminho novo, nem mesmo Maisie havia feito aquele trajeto antes, mesmo morando a sua vida inteira em Seattle. Eles estavam muito longe e a muito tempo na estrada, até que ele cortou para uma estrada de areia em uma mata fechada próximo a uma ribanceira.

O coração de Maisie afundou no peito antes mesmo de adentrar a estrada, porque era preciso muita atenção para não se perder em lugares como aquele. E ela já havia se perdido antes. Muitos anos atrás.

— Você não é como ela. — ouviu Six falando em seu ouvido. Agora que estavam em uma velocidade menor, conseguia escutar melhor, até mesmo as batidas do seu coração martelando contra o peito.

— A quem? Vieney?

— Não, a sua irmã gêmea, você não é como ela.

Falar em Fallon ou até mesmo pensar nela era como estar a 10 metros acima do céu, mas, ao mesmo tempo, 10 metros abaixo do solo. 

Por isso evitava falar e pensar nela.

— Você nem chegou a conhecê-la. — rebateu ao mesmo tempo que desviava bruscamente de um galho. Six era tão baixinha que nem precisou se preocupar em abaixar.

— Eu sei. — como um ato de gentileza, ela consertou seu capacete que estava torto em sua cabeça. — Mas eu acho que eu ainda iria gostar mais de você.

— Por que está fazendo isso? Por que está sendo gentil?

— Porque alguém tem que ser gentil com você. — deu de ombros como se fosse a coisa mais simples do mundo, mas quando seus olhos se encontraram no retrovisor, Maisie simplesmente soube.

Essa foi a primeira vez na vida que alguém a enxergou de verdade.

— Maisie, o Wesley. — falou no mesmo segundo que o garoto parou o carro em frente a uma casa de madeira bem escura, como carvalho molhado.

Há mais ou menos 20 metros do carro, Maisie escondeu a moto em um arbusto e puxou um galho de árvore para escondê-la mais ainda enquanto Six se esgueirava atrás de uma árvore, o que Maisie achou meio fofo, porque ela era tão pequena que nem precisava se esconder.

— Avante, Oksana! — zombou de sua cara ao passar por ela.

Sem hesitar, Maisie foi até o carro de Wesley e se abaixou, deitando-se no chão a procura de um fio específico que fizesse o carro não ligar sem ele. Por garantia, também retirou o cabo do freio e jogou os dois no bolso direito de sua jaqueta.

Após isso, mesmo com medo, ela se escondeu com Six na mata escura. Wesley demorou um pouco mais de uma hora para tentar ir embora... e quando tentou ligar a caminhonete, inúmeras vezes, ele não conseguiu. Foi muito prazeroso ver Wesley enfurecido, chutando o pneu da caminhonete velha. Mas então ele desistiu do carro e decidiu ligar para seu pai.

Demorou meia hora para que o homem chegasse para buscar o filho, que, inclusive, o xingou muito por tê-lo acordado.

Ele entrou no SUV do seu pai e foram embora.

— Maisie, espera! — Six tentou chamá-la para que pudessem esperar o carro estar à pelo ao menos dez minutos de distância, mas ela não conseguiu esperar.

Saiu em disparada até a casa e nem se deu conta que Six não estava atrás dela.

Abriu a porta com agressividade, quebrando seu trinco pelo caminho. A casa era rústica e não tinha nada além de um sofá, um tapete, um frigobar, uma lareira e algumas armas na parede logo acima. Só havia um cômodo na casa, mas Maisie não era idiota.

A casa estava toda empoeirada... menos o tapete.

Não demorou nem um segundo para Maisie descobri que havia uma parte oca na madeira do chão.

— Vieney? — chamou e tudo que conseguiu ouvir foi o ecoo de um suspiro.

Um suspiro de alguém cansado.

— Vieney! — puxou a madeira pesada que tava na entrada e se deparou com uma escada de pedra, que ela desceu em disparado e quando seus olhos se cruzaram com os da ruiva (opacos e sem brilho), ela quase caiu de joelhos.

Vieney estava muito magra, fraca, sua pele estava ressecada, suja e cheias de marcas de agressões. Cicatrizes que tentavam se fechar, mas ele não deixava.

Seu coração afundou.

Ela não viveria mais um dia naquela situação.

Mas, no que Maisie via vulnerabilidade, Vieney via esperança.

Mas a esperança foi embora quando o som de um tiro ecoou na floresta.

Antes que as portas se abram (girlxgirl)Onde histórias criam vida. Descubra agora