Capítulo Vinte e Dois

89 12 0
                                    

Maisie havia lido a matéria sobre a condenação de Wesley tantas vezes que seus olhos começaram a desfocar a imagem do tablet. Ela o fechou e o colocou ao seu lado na cadeira de espera do hospital.

Agora fazia um pouco mais de 48 horas que Six estava em coma pelo tiro na cabeça que havia recebido. Assim que chegou, ela foi levada para a emergência, passou por uma cirurgia para a retirada da bala e depois foi colocada em coma induzido para a sua recuperação.

— Toma. — ao erguer a cabeça, viu um copo de café quente ser oferecido a ela por Vieney, ela aceitou e tirou o tablet para que a ruiva se sentasse ao seu lado.

Desde que saiu do porão, Vieney estava evitando seus pais por causa das notícias. Ela sabia que eles, religiosos e narcisistas como eram, não iriam acrescentar em nada naquela situação. Invés de voltar para a sua casa, Vieney estava intercalando entre ir para a casa de Six cuidar dos pais dela e ir para a casa de Maisie e deixar que a morena cuidasse dela.

— Como está a sua situação com os seus pais?

— Simples: não está. — a ruiva deu de ombros e assoprou seu próprio café. — Eles estão me ligando e eu não estou atendendo, eles tentam marcar recado, mas eu os ignoro. Deixo tudo acumular na minha caixa de entrada.

— Acha que isso... Tipo, não há nenhuma possibilidade deles estarem preocupados com você?

— Não. — ela ri, como se pensar em Abraham e Bárbara preocupados como pais saudáveis fosse algum tipo de sátira. — Você não os conhece, Maisie. Meus pais não se importam comigo, eles se importam com o que a igreja e a cidade falam dele.

— Como sabe disso? Como pode afirmar que eles não estão preocupados?

— Porque eu desapareci por 6 dias, Maisie. E eles só me mandaram mensagem quando a matéria com o meu nome saiu. Quando a cidade inteira começaram a falar o sobrenome da família, aí sim eles lembraram de mim. “Vieney Hawkins? Alguém se lembra dela? Ah, claro! É a praga da nossa filha”.

Não havia nada que Maisie pudessem falar sobre isso. Havia dores que apenas Vieney sabia quais eram e como poderia curá-las. Ela estava frequentando uma psicóloga hospitalar pelo tempo que passava aqui. Desde que tudo aconteceu, ela estava mais acolhedora aos problemas alheios do que os próprios; o medo de Maisie era que ela estivesse fugindo de tudo, até mesmo dos próprios traumas que Wesley deixou nela.

Vieney não sabia, mas Maisie notava como ela ficava tensa a cada vez que alguém abria a porta e relaxava logo em seguida quando percebia que não era Wesley. Ou como ela evitava ir a qualquer lugar que houvesse poucas pessoas, como um estacionamento ou até mesmo as escadas do prédio. Ela preferia subir pelo elevador de serviço, onde os serviçais dos moradores e do prédio iam e vinham o tempo todo.

A sua preocupação era que, quando isso tudo acabasse, Vieney teria que lidar com a calmaria e com os momentos sozinhas... E o que ela poderia fazer.

— Ele não está aqui, Vieney, não tem como te machucar. — a menina entrelaçou seus dedos aos da ruiva, que, sem pensar duas vezes, encostou sua cabeça ao ombro dela. Era incrível como Maisie sempre estava com um cheirinho de hortelã.

— Acredito em você, mas meu corpo ainda sente que algo vai acontecer até mesmo quando nada acontece. — explica. — Parece que eu estou em modo de sobrevivência 24 horas e é tão exaustivo porque eu não consigo... Não consigo me sentir segura, estou sempre esperando alguma tragédia acontecer.

Maisie estava pronta para dizer alguma coisa, mas seus olhos focaram além de Vieney e, através dos vidros da porta de entrada, ela soltou:

— Não é um sentimento, é uma previsão.

Antes mesmo que a ruiva perguntasse o que ela queria dizer com aquilo, Maisie apontou com o queixo para a recepção no momento exato que a recepcionista apontou para elas.

Tudo que Vieney conseguiu pensar foi “merda!”.

— Levanta daí agora. — a voz grossa de Abraham quase fez até mesmo Maisie se encolher no banco. — Não tá me ouvindo?! Levanta aí agora, Vieney!

Mesmo que Maisie ou Vieney pudessem dizer algo, elas não conseguiram pois foi Sara quem interrompeu o momento.

— O que está acontecendo aqui?

— Eu te digo o que está acontecendo aqui. — o pastor começou, apontando o dedo para Maisie. — A sua irmã, na verdade, as suas irmãs são a ruína da vida da minha família! Desde que entraram nas nossas vidas, tudo virou um maldito inferno! Deus que me perdoe, mas vocês merecem todas as desgraças que acontecem a vocês mesmas...

Ao contrário de Vieney, Sara não pareceu se abalar com uma sequer palavra dita pelo pastor.

— Para um pastor que presa pela boa imagem e devoção, o senhor é muito rancoroso, não acha?

— Se estivesse no meu lugar, ouvindo as fofocas e os cochichos pelos cantos, você me daria razão! Me admira você, que parece ser uma pessoa descente — e com isso ele quis dizer “hétero” —, defender essas... profanidades.

Sara revirou os olhos.

— Ser uma pessoa descente é o mínimo, pastor. Agora fazer um escândalo em um hospital? Perturbar a paz dos seus próximos apenas para mostrar seu preconceito e seu falso caráter? Isso parece descente para você? É isso que você prega?

— Eu prego pelo que é justo e pelo que é de Deus! — afirmou com tanta veemência que as pessoas começaram a franzir seus semblantes. — Vou levar minha filha daqui. É sob a minha proteção que ela deve ficar!

— Ah! Por Deus! — a pouca paciência de Sara havia acabado de ir para os ares. — Se sua filha se sentisse tão protegida quanto você acha que ela deveria ser, ela não teria evitado voltar pra casa. Ela não estaria aqui. Se você fosse um porto seguro para sua filha, não era na minha casa que ela escolheria ficar!

A raiva que borbulhava nas veias do homem de repente pararam, porque Sara, sem querer, havia acabado de dizer o que ele deveria fazer para contornar aquela situação.

Seus olhos foram para a sua única filha.

— Vieney, ou você vem comigo agora, ou você nunca mais pisa os pés em minha casa. A escolha é sua.

E para a decepção do homem, ela perguntou:

— Que horas posso ir buscar minhas coisas?

Maisie teve que fingir uma tosse para não soltar uma gargalhada com a expressão cética que tomou o rosto do homem.

— Vai escolher elas?

— Não, pai. Elas me escolheram.

O conforto que sentiu quando a mão de Sara passageou seu ombro quase a fez cair em prantos, ali mesmo no hospital.

— Não tem nada teu em minha casa. — disse o pastor, finalizando qualquer tipo de laço com sua filha na esperança que ela se arrependesse ao perceber que ele não daria o braço a torcer.

Mas a filha nem se importou.

— Sem problemas, posso trabalhar e comprar tudo o que eu precisar. Tenho duas mãos e duas pernas, não precisa de você. — disse, firme como a certeza que tinha que nunca mais voltaria para aquela casa... Que nunca sentiu que fosse sua também.

E o homem permaneceu estático.

— Espero que você de arrepen... — antes mesmo que ele pudesse terminar o que estava falando, a enfermeira o interrompeu abruptamente para dizer:

— Ela acordou!

E o coração de Maisie bateu tão forte que chegou a doer, quando, pelo vidro do quarto, viu os olhinhos sonolentos e confusos de Six se encontrarem com os seus. Olhos azuis escuros contra os seus olhos pretos.

E naquele momento, azul se tornou sua cor favorita.

Antes que as portas se abram (girlxgirl)Onde histórias criam vida. Descubra agora