capítulo 17

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/MAYLE CONNELLY/


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Cada parte de mim latejava, da cabeça às costas, especialmente o pescoço. As vozes de Roger ressoavam em minha mente, suas mãos pareciam cravadas em mim, e os sussurros repugnantes persistem.

No entanto, essa dor física não se comparava à angústia de ter tentado morrer ontem. Minha mãe me chamaria de fraca, de burra. Porque ela nunca faria algo assim. Minha mente era um turbilhão, e eu precisava decidir se queria continuar cumprindo essa promessa ou simplesmente desaparecer dessa família.

Pisquei, minha expressão suavizando enquanto me dirigia ao banheiro, movendo-me lentamente e esfregando os olhos. Dava tapinhas na minha cabeça na esperança de aliviar a dor. Obviamente, isso não ajudaria muito; eu tinha caído várias vezes, inclusive de wind.

Eu tinha esse hábito, uma reação automática a qualquer dor intensa. Às vezes, parecia que meu sangue parava de circular, minha respiração travava, e eu perdia a visão. Isso se tornava incontrolável porque eu não conseguia me conter quando começava.

Observava minha mãe fazendo isso, socando paredes para aliviar o estresse. Ela fazia isso quando estava irritada, mas, na verdade, era por mim, mas eu só era uma criança. Mesmo assim, isso a descontrolava, e ela temia que Roger enjoasse de nós. Para não parecer louca, ela se trancava no banheiro e se batia.

Eu tentei uma vez, buscando alívio, e desde então não parei. Nunca descarreguei minha raiva em alguém, e agora, sinto medo de mim mesma. Deixei-me levar por pensamentos que sempre estiveram dentro de mim, me torturando com palavras cruéis sobre como nunca conseguiria realizar o que desejo.

Tranquei a porta atrás de mim e encarei meu reflexo no espelho. Em vez de sentir orgulho, vi meus olhos, antes intensos e felizes, agora afundados em tristeza. Mal consigo mantê-los abertos. Meu olhar desce até meu pescoço, onde a mordida de Axel se destaca, roxa e inchada.

Valeu, Axel, por mais uma cicatriz. Eu já tenho tantas da minha mãe, e agora isso?

Inclino-me, alterando minha postura, e jogo meu cabelo para trás. Meu rosto, pontilhado por pintas cuja quantidade perco a conta, meu  nariz pequeno franze automaticamente. Nesse instante, vejo minha mãe refletida. A mesma expressão maliciosa, como se fosse um gato preto observando de longe. 

Poderia incorporá-la e procurar por você, Axel.

Vamos lá, Mayle. Nunca mais tente fazer as bobagens de ontem. 

Ao encarar meu reflexo no espelho, percebo meus olhos repletos de lágrimas, mas resisto à vontade de chorar. Agora não é o momento.

Não falei com Anika, nem com meu pai. Matteo foi embora, e eu apenas entrei em casa, sem dizer nada. Meu pai tentou conversar, mas tudo que fiz foi entregar-lhe meu celular e me esconder para chorar. Disse a ele que precisava de um tempo, mesmo assim, insistiu, afirmando que era urgente. Mas, droga, eu não sei quem ele é.

Axel soltou palavras amargas, e Matteo abriu o jogo. Agora compreendo por que minha mãe se separou dele.

Batidas na porta invadem meus ouvidos, e eu abro a porta do banheiro indo em direção à outra. Não quero abri-la, não quero conversar.

— Ei, filha — meu pai diz, e sua voz carrega tristeza. — Por favor, deixe-me conversar com você. Eu sei o que você está passando.

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