Chapter four

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   Café e viagens

   Não sei quando, mas em algum momento durante a madrugada acabei caindo no sono enquanto lia.

   O livro é realmente interessante, mas mesmo assim não consegui evitar sentir meus olhos pesarem ou o eventual cansaço que começava a tomar conta de meu corpo.

  Acordei pouco depois das oito da manhã com Mida miando incansavelmente do meu lado. Coloquei comida em seu pote e fui para a cozinha com a intenção de cozinhar alguma coisa, mas desisti assim que terminei de colocar água na cafeteria, o que já foi muito trabalhoso.

    Fico bons minutos olhando pela janela da cozinha as poucas pessoas que andam na rua, alguns levando seus cachorros para passear e outras correndo pelas ruas. Desvio meu olhar quando a cafeteira faz um som esguio e engraçado, me alertando que meu precioso café está pronto. 

   Derramo o líquido preto em minha xícara preferida e me preparo mentalmente para o dia que vira a seguir, enquanto caminho para a sala. Ligo o som da TV não muito alto e deixo a música Lovefool de The Cardigans tocar.

   Mexo meu corpo no ritmo da música e cantarolo um verso ou outro enquanto arrumo a sala. Não demora muito para que papai apareça na sala e inicie uma dança sem nexo e ritmo ao som de Walk Like an Egyptian de The Bangles. 

   Quando acabamos de dançar mais duas, talvez três músicas, consigo sentir minha barriga doer de tanto rir, assim como minhas bochechas. Me jogo no sofá, suspirando, papai não tarda para me acompanhar. 

   Ficamos em silêncio ouvindo as músicas que tocam sem descanso no som da TV, comigo cantarolando e errando alguns versos.

   — Isso é café? — pergunta, pegando a xícara da mesinha frente ao sofá. 

   Anuo, colocando minhas pernas sobre suas coxas. Observo quando leva a xícara aos lábios e dá um gole generoso no líquido preto e muito provavelmente amargo para seu paladar.

   — Está sem açúcar — aviso quando ele traz a xícara de volta aos lábios e cospe todo o líquido de sua boca ali dentro. Não me importo com isso, tinhas apenas mais um gole, de qualquer forma.

   — Obrigada pelo aviso — seus olhos viajam da xícara para os meus.

   Ele balança a cabeça, parecendo incrédulo com o sorriso que se forma em minha face.  Ele se levanta, segue para a cozinha, ainda com o olhar incrédulo marcando seu rosto.

   — Então, qual vai ser nosso primeiro compromisso do dia? — pergunto, me sentando sobre a bancada, perto da cafeteira. Meus olhos seguem papai quando ele coloca duas colheres de açúcar numa nova xícara e a enche de café. — Não estou com vontade de cozinhar, então pensei: "Por que não ir tomar café da manhã no clube e ficar lá pelo resto da tarde?".

   Papai parece ponderar enquanto bebe um pouco do café, voltando a fazer careta e colocando mais algumas colheres de açúcar ali dentro.

  — Açúcar pode causar diabete e diabete pode matar — alerto, mexendo minhas pernas.

   — Café sem açúcar também não é tão bom quanto você pensa.

   — Mas me mantêm focada.

   Iniciamos uma discussão sem relevância sobre eu ter que parar de beber café e ele parar de tomar açúcar levemente saborizado de café quando o barulho irritante e inconfundível do celular de papai começa a tocar no andar de cima. O som se sobressai da música que continua tocando na sala. 

   Papai me olha, como se pedisse desculpa, e eu me limito a balançar a cabeça em concordância e forçar um pequeno sorriso. Pego sua xícara de café, que ele deixou do meu lado, e beberico um pouco da bebida quente. Meu rosto se contorce quando me obrigo, com todas as minhas forças, a engolir a coisa doce que não pode ser, nunca mais em seu curto período de vida, chamada de café.

   Deixo a xícara de lado, fazendo uma careta para ela, e desço da bancada e praticamente me arrasto para a sala e desligo o som, deixando apenas o som de minha própria respiração preencher o espaço.

   Espero papai descer para terminarmos de planejar o nosso dia, como começamos ontem no caminho de volta. Quando finalmente desce, dou um pulo do sofá, um pouco assustada com sua chegada silenciosa e repentina.

   Ele está vestindo um terno cinza-escuro um pouco apertado em seu corpo e mexe as mãos freneticamente enquanto fala com alguém pelo seu telefone. Me sento de volta no sofá e passo meus dedos nos pelos de Mida, que se aconchega entre eles, ronronando um pouco. 

   — Gato mimado — sussurro para ele, que se aconchega mais entre minhas carícias.

   Quando paro de ouvir a voz que até agora estava praticamente gritando, levanto meu olhar apenas para notar que papai já me encarava com aquele seu olhar que sempre me dizia "Desculpa, mas é necessário". 

   — Quando você volta? — pergunto antes que ele possa me dizer qualquer coisa sobre a sua viagem de última hora. 

   — Possivelmente em três, ou quem sabe quatro dias — ele se acomoda ao meu lado, separado apenas por Mida, que descansa entre nós — Se você quiser, pode chamar Anthony ou Jennifer para ficar com você, eu não vou ficar bravo, pode até ficar com seus avós se preferir, tenho certeza de que Emily não se importaria em tê-lo por lá.

   Rio um pouco com sua oferta e tento afastar a sensação estranha que faz meu corpo gelar. Suspirando e reprimindo os lábios um pouco, finalmente respondo: — A gente pode fazer uma festa do pijama e pensar nos treinos do próximo ano.

   Ele parece feliz com minha resposta. Ele fala mais algumas coisas sobre como devo ser responsável e me cuidar nessa época do ano e ligar para ele ao menos uma vez ao dia.

   Nós não conversamos muito mais. O acompanho até a porta, nós nos abraçamos como se nunca mais fossemos nos ver, assim como todas às vezes que ele viaja.

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