Chapter three

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Feliz Natal

   O caminho de volta para o apartamento em Boston pareceu infinitamente mais rápido do que a ida para Hartford, e provavelmente foi, já que as estradas estavam vazias. A verdade é que eu estava um pouco ansiosa para chegar em casa logo e me livrar dos saltos e do vestido. 

   — Quer abrir os presentes hoje? — pergunta papai e eu o olho incrédula. — É que, depois da noite que você teve, eu imaginei que você fosse querer descansar um pouco. Sei que ficar perto delas pode ser um pouco desgastante.

   — Quero abrir. E é Natal, alguma coisa boa tem que acontecer.

   Papai ri um pouco, concordando comigo. Começamos a planejar nosso dia amanhã, já que não tenho escola, nem treino e ele só trabalhará até as onze, provavelmente. Quando eu menos percebo, já estamos em casa.

   Saio do carro assim que ele para na garagem do prédio. Espero papai abrir a porta, mas reviro os olhos quando percebo que ele está demorando para achar as chaves de propósito. Quando finalmente abre, eu passo por ele, indo direto para as escadas.

   — Meia-noite vamos abrir os presentes — me lembra.

   Grito um "tudo bem" e corro até meu quarto, tirando os saltos no caminho. Me jogo na cama e me espreguiço enquanto deixo as sacolas que vovô e vovó me deram cair no chão. Fico ali por um tempo, olhando os inúmeros corações azuis pintados no teto.

   Quando me mudei com papai, ele perguntou como eu gostaria que fosse meu quarto e me ajudou a decorar. Nas primeiras noites que dormi aqui, achei o teto um pouco sem graça, já que tinha insônia e ficava olhando para cima até cair no sono. Então, papai contratou um pintor, que fez os corações em todo o teto, deixando pouco espaço entre eles. 

   Me obrigo a levantar da cama e me arrastar para um banho quente e merecido. Lavo meu rosto uma ou duas vezes, querendo ter total certeza de que ele está sem nenhum vestígio da maquiagem. Quando saio, visto meu pijama, que consiste em uma calça larga e uma regata colada ao corpo. Não coloco um casaco ou moletom, aqui dentro está quentinho graças ao aquecedor.

   Desço as escadas e vou direto para a cozinha. Papai já está lá, comendo um pedaço de bolo.

   — Você também escondeu um pedaço de bolo? — pergunto, abrindo a geladeira para pegar o pedaço de bolo que escondi.

   Procuro o pedaço de bolo atrás das garrafas de água e não o acho. Olho para trás e vejo que papai não estava mais mastigando e sim olhando para mim um pouco assustado.

   — Achei na geladeira, — começa, empurrando o pedaço de bolo para o lado — e pensei que não tivesse dono — finaliza quando coloca o garfo sobre o prato.

   Fecho a porta da geladeira e me encosto nela, pensando um pouco.

   — Então, você achou que o bolo que estava escondido atrás de várias garrafas d'água e uma enorme vasilha não tivesse dono? — ele concorda — Mesmo morando apenas duas pessoas aqui? — observo quando ele concorda novamente.

   — Quer um pedaço? — me oferece.

   Pego um garfo na gaveta e me sento à sua frente, comendo um pedaço do bolo de cenoura com chocolate. Comemos em um silêncio confortável, até que o relógio no pulso de papai começasse a apitar.

   — É meia-noite — anuncia, me encarando — Ainda quer abrir os presentes? — questiona, já se levantando e indo para a árvore-de-natal na sala.

   Me levanto e vou atrás dele, não me dando o trabalho de responder algo tão óbvio como essa pergunta. Nos sentamos perto um do outro e pegamos nossos presentes.

   — Feliz Natal — dizemos juntos enquanto compartilhamos de um sorriso cúmplice.

   Observo quando papai abre seu presente e franze um pouco as sobrancelhas. Ele tira da caixa espreita de papelão um vinho tinto, Carbenet Sauvignon da safra de 1992, e o encara por alguns segundos antes de colocar o vinho ao seu lado e tira duas caixas de chocolate.

   — Vinho e chocolate, devo me preocupar em como você, uma menor, conseguiu vinho? 

   — Dei o dinheiro para o tio David comprar — me explico rapidamente.

   Papai me encara um pouco desconfiado, mas riu um pouco.

   — Sua vez, Lila — diz, entregando meu presente.

   Sorrio curiosamente para ele quando sinto o peso da caixa quando me entrega, coloco na minha frente, desfazendo o nó do laço. Não consigo desfazer minha face surpresa quando pego um exemplar em capa dura do livro "O jardim da lua". Deixo o exemplar sobre a caixa e abraço papai.

    Sinto meus olhos se umedecerem em lágrimas e me sinto mal por dar um presente tão simples para papai, apesar de não ter sido barato. Fico o abraçando por um bom tempo enquanto agradeço, com ele retribuindo o abraço e só se afastando quando dou sinais de me afastar primeiro.

   Parece bobo chorar por livros, mas para mim significa mais que isso. Significa que, enquanto ficava balbuciando coisas sem sentido a medida que ele lia o jornal, ele me escutava e não só acenava, fingindo que entendia tudo sobre o qual eu falava.

   Ficamos ali, conversando por mais alguns minutos antes que ele tivesse que ir dormir, já que acordaria daqui a algumas horas.

   Coloco a caixa sobre a cama e tiro os livros dali de dentro, os enfileirando um do lado do outro. Além daquele, havia mais três na caixa. Todos em capa dura, com uma ou duas páginas escritas pelo próprio autor sobre como foi escrever o livro, dicas para melhorar a leitura ou algo a mais sobre o universo da história.

   Mida deita do meu lado e apoia sua cabeça em minha coxa enquanto pego "Os Guardiões da Cidade Perdida" e me encosto na cabeceira da cama, começando a ler e me perder entre imagens criadas pela minha mente sobre como são os personagens e os diversos cenários. Me incluindo entre um e outro cenário.

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