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Gizelly
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A porta da biblioteca se fechou com um clique silencioso atrás de mim. Atravessei a sala, em meus passos lentos e deliberados, até chegar à área gourmet onde Loreto se acomodou com um copo de uísque.

Um músculo pulsou em minha mandíbula.

Se não tivéssemos uma história tão longa juntos, e se eu não lhe devesse pelo favor que ele me concedeu, sua cabeça já estaria esmagada no carrinho do bar perto dele. Não só por se servir da minha bebida, mas por seu show nada divertido no saguão. Eu não gostava que as pessoas tocassem no que era meu.

— Tira essa carranca,Gizelly.- Disse ele tomando um gole preguiçoso de sua bebida. — Caso contrário, vai congelar desse jeito, e as mulheres não vão mais gostar tanto do seu rostinho bonito.

Meu sorriso frio dizia a ele o quão pouco eu me importava. — Talvez se você seguisse seu próprio conselho, você não estaria dormindo em um quarto diferente do da sua noiva.
A satisfação encheu meu peito ao ver seus olhos estreitos. Se a senhorita Kalimann era minha fraqueza, Deborah  era a dele. Eu não estava interessada de fato no relacionamento deles, mas me divertia demais vê-lo rosnar toda vez que eu falava sobre a noiva que ele dizia odiar.

Achei que eu tinha problemas. Mas Loreto tinha dois bilhões de reais deles.

— Ponto tomado.- Disse ele em uma voz cortada. Todo o humor desapareceu, trazendo de volta o idiota carrancudo com quem eu estava acostumada a lidar.

— Mas eu não vim aqui para discutir sobre Deborah ou Rafaella, então vamos ao que interessa. Quando que eu posso me livrar da pintura? A coisa é uma monstruosidade. Forcei os pensamentos de cabelos escuros e  olhos verdes de lado com a menção da outra mulher enigmática na minha vida.

A pintura que havia sido a ruína da minha existência por anos. Não pelo que era, mas pelo que representava.

— Ninguém lhe disse para pendurá-la em sua galeria.- Fui até o bar e me servi de uma bebida. Loreto, aquele idiota, não tinha tampado a garrafa do meu melhor uísque. — Você pode enfiá-la no
fundo do seu armário.

— Eu pago todo esse dinheiro só para enfiá-la no fundo do meu armário? Isso não seria nem um pouco suspeito.- O sarcasmo pesava em sua voz.

— Você tem um problema; eu dei uma solução.- Eu dei de ombros negligente. — Não é minha culpa que você não queira levá-la. E para constar...- Eu me acomodei no assento em frente ao dele.
— Eu paguei pela pintura.
Secretamente, de qualquer maneira. Até onde o público sabia, José Loreto era o orgulhoso proprietário de uma das mais feias obras de arte existentes. Por outro lado, as pessoas também pensaram que a peça hedionda era uma pintura inestimável que valia a pena matar e
roubar graças a um simples conjunto de documentos forjados. Eu não queria que as pessoas fossem atrás dela, mas eu precisava de uma desculpa para eu gastar tantos recursos a protegendo.
Não continha segredos de negócios devastadores como todos pensavam. Mas continha algo pessoal que eu nunca compartilharia.

Ele me examinou por cima do copo. — Por que você ainda se importa tanto com isso? Você conseguiu o que precisava e encontrou seu traidor. Apenas queime a maldita coisa. Depois que eu a vender de volta para você.- Acrescentou. — Pelo bem das aparências.

— Tenho meus motivos.
Um, para ser exata, mas ele não acreditaria em mim se eu contasse.

Eu não suportaria destruir a pintura. Estava muito embutida nos pedaços irregulares do meu passado.
Eu não era uma pessoa sentimental, mas havia duas áreas da minha
vida onde meu pragmatismo habitual não se aplicava: A essa pintura e a Rafaella. Infelizmente para Petrix, o ex-funcionário que a roubou e a
penhorou para a galeria central, ele não caiu na categoria de exceções. Ele achava que a pintura continha segredos de negócios altamente secretos e, portanto, altamente lucrativos, porque foi isso que eu disse às poucas pessoas a quem confiei para guardá-la. Mal sabiam eles que o valor da pintura derivava de algo muito mais pessoal e muito menos útil para eles. Eu despachei Petrix, esperei um período de tempo apropriado para a galeria central relaxar, então acabei com seu sistema cibernético o suficiente para que fossem varridos milhões de seu valor. Não o suficiente para destruí-los, já que algo dessa magnitude poderia ser rastreado até mim, mas o suficiente para enviar uma mensagem. Os idiotas que comandavam a galeria eram tão estúpidos que tentaram roubar a pintura de volta depois de vendê-la porque achavam que poderiam usá-la como retaliação contra mim. Eles não encontraram nenhum segredo comercial no quadro, mas sabiam que era importante para mim. Eles estavam no caminho certo; eu daria isso a eles. Mas eles deveriam ter contratado alguém que não fosse um membro de gangue de segunda categoria para fazer o trabalho. A tentativa de encobrir seus rastros foi tão ruim, quase um insulto. Agora a pintura estava aos cuidados de Loreto, o que serviu a um duplo propósito: eu não precisava olhar para ela, e ninguém, nem mesmo alguém da galeria central, ousaria tentar roubá-la. A última pessoa que tentou, acabou em coma por três meses com dois dedos faltando, um rosto mutilado e costelas esmagadas. Loreto fez um barulho impaciente, mas foi esperto o suficiente para não pressionar mais.

Obsessão (Girafa) G!POnde histórias criam vida. Descubra agora