38. JENNIFER'S BODY

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Escrito por V. G.

Irlanda – 1988 / Sexta-feira - Noite

Existem ações que acontecem em um instante, um lampejo de impulso, sem tempo para pesar motivações ou considerar as consequências. Como quando você rouba uma bala de uma loja, somente pela sensação. Ou como pegar o último biscoito da lata, mesmo que nem esteja com tanta fome assim. É riscar seu nome na mesa da escola com uma caneta permanente, apenas para ver as letras marcadas lá. Mas e quando esse mesmo impulso leva você a esfaquear sua amiga? Uma escolha repentina, um momento de escuridão, que ninguém viu chegando até que já fosse tarde demais.

Brianna estava deitada no chão da cozinha, encarando o teto. As manchas de gordura pareciam formar padrões caóticos que dançavam em seus olhos, desfocados pela tensão. Entre suas mãos, segurava uma faca. A lâmina, o cabo e seus dedos estavam cobertos de sangue. Ao lado, deitada na mesma posição, mas imóvel, Jennifer começava a perder a cor enquanto o frio tomava conta do seu corpo.

 Ao lado, deitada na mesma posição, mas imóvel, Jennifer começava a perder a cor enquanto o frio tomava conta do seu corpo

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A respiração de Brianna era um redemoinho, cada inalação um arranco, cada exalação um gemido abafado. A ferocidade com que o ar entrava e saía de seus pulmões deixava claro o pânico crescendo em sua mente, tomando forma a cada segundo que passava. Uma escuridão engolia sua consciência, como se seu corpo tivesse sido tomado por uma sombra densa. Quando se deu conta do que tinha feito, tudo já estava acabado e o estrago era irreversível. O sangue no chão era um testemunho mudo da tragédia que acabara de acontecer. Ela pensou em correr, em fugir dali o mais rápido que pudesse. Mas sabia que isso não ia adiantar. O corpo ficaria para trás e a culpa seria inevitavelmente sua. A faca estava em suas mãos e ela era a responsável pela cozinha. A merendeira da escola, aquela que cuidava dos lanches das crianças, agora responsável por um ato brutal.

O desespero a paralisava. O que ela poderia fazer agora? O tempo parecia congelado, e seu destino, selado. Os segundos se transformavam em eternidades enquanto ela tentava processar a gravidade do que tinha acabado de acontecer.

Por um instante, flashes de memória tomaram conta da mente de Brianna. Ela lembrou dos soldadinhos de porcelana que a mãe guardava com tanto carinho, um luxo em meio à pobreza que viviam. Eles eram belos e delicados, pintados com cores vibrantes. Ficavam em uma prateleira na sala, servindo como decoração, mas para Brianna eram um convite à imaginação. Ela sonhava em criar histórias com eles, uni-los às suas bonecas de pano em contos épicos de batalhas e amores impossíveis. Ela queria encenar a jornada de um soldado em busca de sua amada, como nos filmes que via na televisão. Um dia, sua curiosidade venceu a proibição e ela finalmente pôde brincar com os soldadinhos. Mas um deles escorregou de suas mãos e caiu no chão. A porcelana se despedaçou com um estalo, a cabeça rolou para um lado e o corpo para o outro. O pânico foi instantâneo. O medo do castigo queimou dentro dela, tão intenso quanto o que agora tomava conta de seu peito na cozinha. Ela teve de consertar o erro, colando a cabeça do soldado quebrado e o colocando no fundo da fila, longe do olhar vigilante da mãe. Manteve o segredo e a mãe nunca descobriu.

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