Fernanda
Escuto Lexi chegar com o namorado e se trancar no quarto. Adam, seu novo namorado, aparece cada vez mais aqui no nosso apartamento. Isso não me incomodaria se ele não fosse tão... Tem algo nele que não sei dizer o que é. Mas minha amiga está feliz, então faço um esforço para não demonstrar minha antipatia para nenhum dos dois.
A campainha toca e como bem sei que Lexi está ocupada rindo com seu namorado perturbador, deixo meu estudo de lado, do curso que estou fazendo, e vou atender. Sei que não é para mim, porque a única pessoa que viria me visitar é o Kurt e ele acabou de me mandar uma mensagem reclamando que a Editora Chefe da revista está infernizando sua vida hoje.
Abro a porta e quase caio para trás.
— Mãe? — Arregalo os olhos, mas não mais do que ela franze o cenho.
Renata ficou desconfortável quando veio me visitar, mas a minha mãe está em transe. Ela parece uma rainha que caiu no gueto sem saber como.
— Nanda... — Ela entreabre os lábios, mas então os prensa. Logo seus braços estão ao meu redor, me abraçando em um abraço apertado. — Eu senti saudades de você.
E então, como se percebesse que demonstrou qualquer tipo de afeto comigo, se afasta e olha para dentro do meu apartamento. Tem quase um ano que eu e a minha mãe não nos falamos. A Clara me liga às vezes para saber como estou, mas ela não.
— Posso entrar?
— Claro.
Dou passagem e ela entra, observando a pequena sala conjugada com a minúscula cozinha. E então o corredor que leva para dois quartos e ao banheiro que divido com a Lexi, que por sinal continua rindo com o Adam. Só espero que os risos não passem para gemidos, tenho certeza de que seria a gota d'água que faria minha mãe sair daqui correndo.
— Se você tivesse me ligado a gente poderia ter combinado um almoço.
— Você está morando aqui? — Ela até tenta esconder o desprezo pelo lugar, mas não consegue.
Eu poderia me chatear, uma vez que sinto orgulho por conseguir pagar por um teto com o meu trabalho, mas não fico com raiva. Aposto que minha mãe nunca teve contato com lugares mais humildes e imagino que é muita coisa para absorver de uma vez só. Eu já me acostumei até mesmo com o pessoal que sei que é da pesada. Mas o segredo é: não mexa com eles que eles não mexem com você.
— Como a senhora chegou aqui? — Mudo de assunto no que espero que tenha sido de forma sutil.
— A Renata me passou esse endereço.
Linguaruda! Ela me prometeu que manteria segredo e vai se ver comigo por ter dado com a língua nos dentes e ainda por cima nem me alertou que a minha mãe estava a caminho.
— Não deu tempo dela te avisar. Assim que me passou esse endereço, vim para cá. — Minha mãe, como sempre, advinha meus pensamentos.
— Quer se sentar? — Aponto o sofá e ela abraça a bolsa, encolhendo os ombros e isso sim me magoa.
— Sei que você está chateada com o seu pai, mas precisava se afastar de mim também? Tem meses que você não me liga!
— Acho que é uma via de mão dupla, não? — Aponto dela para mim. — Também posso apontar que tem meses que a senhora não me liga.
— Como fui tão passiva a ponto de permitir que ele causasse isso? — Minha mãe diz mais para si mesma do que para mim.
Sei que o nosso relacionamento é bem frio, mas ela ainda é a minha mãe. Também sei que muitas vezes é difícil desassociá-la do meu pai. Fiquei tão cega pelas barbaridades dele que confesso que hora nenhuma levei em consideração os sentimentos da minha mãe. Coloquei os dois dentro do mesmo pacote e pronto.