Marinette permaneceu estática no chão pelo o que pareceu uma vida inteira. Quando tudo terminou, ela conseguiu, finalmente, chorar. Seus dedos tremiam, em punho, e ela os olhava horrorizada; havia socado o assoalho algumas vezes, em meio ao surto, enquanto revivia todo o episódio violento. Havia sangue gotejando de suas feridas abertas. A pele descamando ao redor de onde havia socado doía, caída e lascada. Marinette havia passado pelo mesmo tantas vezes e ainda assim, sentia a mesma dor aterrorizante de ser atirada para a realidade, para o seu agora, tal qual a primeira vez.
— Está tudo bem. — Disse ela para si mesma, tentando acreditar no que dizia. — Eu estou bem. Estou em casa, sozinha. Não estou lá. Não estou mais. — Marinette sentiu o cheiro do sangue em sua mão e aquilo reavivou a memória outra vez. Ela estava entrando em pânico. — Nunca mais vou estar lá. São apenas memórias. Nada pode me machucar. Nada vai me machucar outra vez. — Marinette continuou repetindo até que se convencesse de que não entraria em surto.
A ideia de precisar se acalmar já era, por si só, estressante. E a ideia de não conseguir a apavorava, e o pavor geraria outra sessão de autodestruição. Marinette sabia que, se não conseguisse se manter no presente, passaria dias no chão, lembrando e relembrando até que já não conseguisse mais suportar. O chão a reconfortava e, ao mesmo tempo, a assustava. Ali, no chão, imóvel, sem noção alguma de tempo e sem distrações inúteis, ela poderia descansar o corpo, mas a mente trabalharia sem descanso até pifar, mostrando-a de novo, e de novo tudo aquilo que ela havia vivenciado de mais violento.
O corpo em repouso e a mente em árdua tarefa de autodestruição.
— Eu só quero que tudo isso acabe. — Ela choramingou, se recolhendo tanto ao ponto de entrar dentro de si mesma. Suas mãos mancharam a blusa, os joelhos encontraram descanso nos seios e tudo parecia comprimido ao máximo.
Marinette se imaginava dentro de uma caixa velha de sapato. Sozinha, encolhida e segura. A ideia de estar acomodada em um lugar minúsculo, de ser tão pequena ao ponto de caber dentro de uma caixa, a reconforta. A imagem que montou de si mesma nua, cantando alguma canção de ninar dentro de sua caixinha a fez sorrir; toda a cena veio acompanhada do pensamento de que estava louca. Sua caixa havia ajudado mais do que os outros métodos aos quais recorrera ao longo de todas as suas experiências com o TEPT*.
Com os pés dormentes e os dedos das mãos tortos e ensanguentados, a cabeça pesada e o peito dolorido, ela se levantou. Primeiro esticou as pernas, estalou os ossos e respirou fundo, depois se colocou de pé. Suas terminações formigam e ela não conseguia se manter ereta; curvou-se e alongou, curvou-se e alongou, mas não pôde manter a postura. Marinette desistiu de tentar se consertar; o que estava quebrado, de fato, o cerne de tudo aquilo, não havia conserto. Seus remendos e manutenções grosseiras não funcionam naquela noite, então ela se curva, para de se agitar e aquieta o corpo.
Em um momento ela estava imóvel, respirando, sobrevivendo, no outro ela estava atirando pratos no chão e chorando como uma desesperada. Marinette não se incomodou com os vizinhos; a senhora do andar debaixo era surda e o casal que morava no seu andar estava de férias no Marrocos. Era como estar sozinha. Os outros não a ouviriam. No andar de cima, o único apartamento vago era o de três meninas musicistas, ou seja, paredes com isolamento acústico. Estava sozinha.
— Que se foda tudo isso. — Ela berrou quando terminou de quebrar tudo o que encontrou em sua frente.
Ofegante, colérica e inquieta, Marinette lavou as mãos na pia, depois vestiu um casaco que estava largado no sofá e respirou fundo. Da primeira gaveta do móvel da sala, tirou algumas notas do pagamento do aluguel que venceria na próxima semana, calçou os chinelos gastos, então saiu do apartamento.
Quando colocou as chaves no bolso do short jeans surrado, ela se deu conta de que havia, finalmente, saído. Saído por livre e espontânea vontade.
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Cicatrizes de batalha
FanfictionApós um acidente que ceifou a vida dos estudantes do colégio Dupont, os heróis aclamados de Paris não tornaram a aparecer. Restaram os sussurros, as velhas histórias de terror repassadas de boca a boca sobre o horror vivido no dia que marcara a qued...