05: toda dor tem relevância

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- Você está bem, Marinette?

Marinette não ouviu a pergunta. Ela olhava fixamente para as flores de cor lilás na prateleira do supermercado; inconscientemente havia parado ali, no corredor de jardinagem, e não conseguia parar de olhar para as lilases um tanto quanto murchas no vasinho de barro. A cor a fez congelar. Seus pés pareciam cimentados no chão e ela tinha a nítida sensação de que havia pregos em seus olhos, mantendo-os abertos para que não pudesse desviar o olhar.

O final de tarde com aquela fina garoa irritante, o sol quase se pondo, o cheiro do café tombado em seus tênis e as malditas flores frescas que ela carregava nas mãos não saiam de sua mente. A memória de alguns dias atrás ainda a assombrava com uma frequência assustadora, mas, assim como a maioria dos seus incômodos, ela aprendera a sufocar e empurrar para longe a lembrança de Juleka.

Bastara uma flor lilás para tudo ir abaixo.

- Marinette? - Adrien, visivelmente assustado com o olhar morto que ela mantinha há alguns minutos, se aproximou dela e tocou seu ombro com cuidado, chamando-a novamente.

- Eu a vi. - Ela disse, petrificada. As palavras saíram quase estranguladas.

Não conte a ele. Não diga nada. Você vai aborrecê-lo outra vez.

- Viu quem? - O loiro começou a olhar para os outros corredores em estado de alerta. Ele apertou, inconscientemente, o ombro dela com mais força.

Ele vai embora. Não conte nada. Fique quieta.

- Juleka. Eu a vi. - Marinette sentiu quando o loiro a apertou pela terceira vez; o toque havia sido levemente dolorido, mas ela não se queixou. - No colégio. As flores, os retratos- - Ela parou de falar, sentindo o peito doer e o ar se perder em algum lugar no meio de suas lufadas desesperadas.

Suas mãos adormeceram, então latejaram e arderam. Marinette sentiu como se ainda estivesse segurando o ioiô com o peso de um ônibus nele, com seu corpo debilitado tremendo e os músculos que doíam tanto que ela gritava de dor.

De novo não.

Os flashes passeavam pela sua cabeça enquanto deslizava pelas prateleiras, de costas para as flores, e se encolhia no chão. As pessoas começaram a se aglomerar ao seu redor e Adrien, sem saber o que fazer, continuou chamando seu nome e pedindo aos demais que se afastassem.

- O que ela tem? - Alguém perguntou baixo ao loiro. Marinette não ouviu a resposta.

- Eu só- - Ela falou um pouco mais alto em meio ao tumulto. Os funcionários do mercado já estavam cogitando chamar uma ambulância. - Eu só preciso de um minuto. - Embora seus dentes batessem e todo o seu corpo estivesse quente, tremendo e suando, ela tentou inútilmente amenizar a situação.

Marinette queria gritar. Queria que todas aquelas pessoas se afastassem, que aquele circo cessasse. Mas permaneceu ali, encolhida, pensando que as flores que estavam no quarto de Juleka, quando foram para o hospital, também eram, em sua grande maioria, lilases.

Mas também havia rosas. Lindas rosas em um jarro de vidro que, ao lado, continha a foto de duas adolescentes apaixonadas. E uma delas estava morta.

(...)


Adrien permaneceu calado durante todo o trajeto até o estacionamento do supermercado. Marinette se encolhia sobre o casaco e olhava de forma inexpressiva para o vazio, para as sacolas de compras. Era como se não estivesse ali. Ela não sentia que estava, de fato, em algum lugar. O som da porta do motorista batendo não a assustou ou retirou-a do transe; tudo o que Marinette fazia era olhar para as suas mãos doloridas, sentindo a carne pulsando. Os dedos já não tremiam mais, mas ainda tinham um aspecto torto e ela sabia que não possuía coordenação para segurar nem mesmo um palito.

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