O movimento leve e contínuo das cortinas soa dramático, triste de uma maneira teatral. A escuridão engole o cômodo, transformando-o em um cubículo taciturno, sombrio e sem ruído. Chat ouve o ar saindo da boca, os seus passos leves e coordenados na varanda; ele ouve seus dedos batendo no vidro da porta, sua voz chamando-a baixinho. O herói aguarda, no escuro, sentindo o início da garoa irritante molhando seus cabelos, mas ela não surgiu com seus cabelos úmidos e rosto rosado de tanto beber; ela não surgiu na varanda com seus pés descalços e pele nua, mesmo diante do ar congelante da noite.
Chat atravessou o quarto escuro com o peito dolorido, a boca seca e as mãos trêmulas; deixou a porta deslizante de vidro batendo, bamba, contra o vento e entrou calado. Alguma coisa na forma como os lençóis estavam enrolados na cama vazia fez sua boca amargar; o herói a buscou um segundo, examinando o cômodo silencioso. Chat não ouviu o som do chuveiro, ou os passos desastrosos dela, nem mesmo o som do armário batendo ou o tilintar do vinho batendo na taça. Categoricamente, ele se mexeu sem vida. Sua visão desfocada pelo escuro pousou na mesa empoeirada ao bater o quadril na quina; apanhou a carta meticulosamente deixada em cima de todos os rascunhos de Marinete, e antes mesmo que sua curiosidade atinasse para o fato do seu nome estar gravado ali, ele correu gritando o nome dela pelo apartamento.
Durou apenas um minuto. Um minuto entre sua estranheza e o momento em que a encontrou ensanguentada no chão da cozinha. Marinette estava coberta de cacos de vidro e sangue fresco; sua bochecha, escorrendo dela, havia uma espuma espessa e branca colando a pele no chão. Seus ombros ainda mexiam, quase como se ela estivesse sendo eletrocutada; os espasmos eram o único sinal de que ela estava viva. Chat berrou em pleno pavor, ajoelhando-se no piso sujo; ele a sacudiu em meio ao desespero, largando a carta.
— Marinette, Marinette! — berrou, sacudindo-a pelos ombros. Estava quase gelada. Tinha os lábios azuis, o olho roxo e metade do rosto coberto de espuma. — Amor, fala comigo. Por favor, por favor, por favor... — O herói não soube precisar quando as lágrimas passaram a molhar seu rosto, somente se entregou ao choro miserável.
Chat tomou nos dedos débeis o bastão reluzente e discou o número da emergência. Pensou ele, durante aquele único toque antes de ouvir o roteiro pronto da atendente calma do outro lado da linha, o que seria perdê-la. Calculou o estrago e não se viu hábil a sobreviver a ele. Alguma coisa nele arrebentou como uma corda. O herói sentiu o horror pela perda, a angústia incomensurável que o cortava inteiro em fatias e entendeu, de forma clara, o que ela havia passado naquela ponte. Aquela era a sensação.
Aquela era a sensação.
— Minha namorada. — Adrien balbuciou quando a atendente lhe pediu calmamente que lhe dissesse o que estava acontecendo. — Encontrei ela caída no chão. Tem sangue, muita espuma. Acho que ela tomou alguma coisa. Por favor, me ajuda. — A voz dele soava quebrada, distante. Parecia a voz de outra pessoa em seus ouvidos. Chat não reconheceu aquele tom de súplica, aquele soluço proeminente nas vogais. Ele não se reconheceu diante do sofrimento.
— Vou mandar uma ambulância. Preciso que se acalme, tudo bem? Continue comigo na linha e diga onde está. — Adrien lhe disse o nome da rua, o número do apartamento e o andar, contando sobre a chave reserva no vaso de plantas do corredor com o choro lhe bloqueando de ser claro. Gaguejava como louco. — Ela está machucada? Consegue ver algum corte de onde vem o sangue?
— Tem um corte na testa. Acho que bateu a cabeça, tem vidro no chão. Preciso fazê-la vomitar? Me ajuda, por favor! — Chat a ouviu gemer e arfar, se debatendo feito um peixe fora d’água. — Ela está sufocando! — O herói berrou em choque.
— Ei, ei. Preciso que a vire devagar para o lado oposto ao vômito, deite-a de lado. Não induza o vômito, ela pode engasgar. A ambulância já está chegando. — O herói largou o bastão para movê-la. Marinette estava pesada. Ela não reagiu quando Chat cuidadosamente a virou. O lado roxo de seu rosto estava inchado e disforme. Definitivamente ela havia caído.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Cicatrizes de batalha
Fiksi PenggemarApós um acidente que ceifou a vida dos estudantes do colégio Dupont, os heróis aclamados de Paris não tornaram a aparecer. Restaram os sussurros, as velhas histórias de terror repassadas de boca a boca sobre o horror vivido no dia que marcara a qued...