09: o fim, 1.

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O preto nunca havia caído bem antes. A deixava com um aspecto pesado e retirava todo o brilho dos cabelos, toda a alegria do azul dos olhos. Mas agora era o preto que a vestia bem, porque já não havia mais vida alguma nela. Os cabelos antes tão escuros, com o brilho azulado intenso e quente, agora eram de um tom quase cinza, com fios brancos e quebradiços. Os olhos azuis perderam a intensidade, o calor. Para ela a cor já não se assemelhava mais com a de um lago cristalino, mas sim como a de um mar revolto em dias de inverno.

Marinette olhou para si mesma no espelho, de preto dos pés a cabeça, e enxergou a ruína na qual se afundara. Estava explícito em seus olhos, em sua postura, que já havia desistido. Já não havia mais lágrimas para chorar; só existia o vazio que engolia cada memória, cada sensação, cada emoção, cada espaço de seu corpo como um buraco negro. A dor sumiu dentro da espiral do eterno nada em que ela se encontrava.

Nada doía, mas a sensação de não sentir absolutamente nada, no sentido mais cru da palavra, era tão agonizante quanto a intensidade nauseante com a qual convivia. A frieza, pelo menos, aliviava tudo o que de pior existia dentro dela. A apatia amortecia tudo, e ela sentiu como se já estivesse morta. Sua casca, o corpo mirrado, mutilado, franzino e descuidado estava ali, entre os vivos, mas ela não sentia que estava, de fato, ali.

— Não precisamos ir se não quiser, meu bem. — Sabine surgiu atrás dela, vestida de preto, refletindo a imagem do luto no espelho, e segurou seu ombro com tanta delicadeza que, se não estivesse olhando, não teria certeza de que estava sendo tocada.

— Preciso estar lá. Devo isso a eles. — Sua ambiguidade não passou despercebida, mas Marinette não se apressou em corrigir.

Diante das circunstâncias, nada disso tinha o menor valor. Marinette nunca diria com todas as letras o real motivo por trás de todo o seu luto, assim como nunca diria o que havia feito. Seria um segredo, uma verdade implícita, um detalhe nas entrelinhas. Para ela, isso bastava. Era o máximo que conseguia se expor, embora estivesse farta de meias verdades e mentiras desconexas. Marinette estava farta de enganá-los, de brincar de faz-de-conta; no fundo ela sabia que ambos tinham conhecimento, que sabiam o que ela nunca pronunciou, mas sua falta de coragem sempre a impediu de forçar a barreira da ignorância em que se colocaram.

Ignorando o que eles ignoravam, ela ainda poderia fingir, vez ou outra, que tudo era como antes.

Sabine beijou sua testa fria e ela sorriu com o gesto. Marinette não pensou em despedir-se ali ou em como o preto entristecia sua mãe, que era tão cheia de vida; ela sentiu falta das flores e das cores dela. Ela pensou em como era bom receber esse beijo na testa antes de ir para a escola. Marinette sentiu alguma coisa parecida com tristeza quando a mãe se afastou, afagou seus cabelos e olhou em seus olhos como quem diz "está na hora". Se ainda houvesse lágrimas, ela teria dado todas a mãe naquele momento. Mas o vazio engoliu tudo. Marinette olhou para o rosto cansado de sua mãe, observando as minúsculas rugas que começaram a surgir no canto dos olhos, o formato da pinta pequenina que ela tinha na lateral da testa; pequenos detalhes que ela memorizou pela última vez.

— Eu te amo, mãe. — Marinette abraçou Sabine com toda a força que possuía em seu corpo; a máquina que ela havia sido um dia agora não possuía um terço de sua força, mas ainda assim arrancou de Sabine um suspiro. Ela estava sufocando a mãe, mas Sabine a abraçou com força e Marinette sentiu que, finalmente, estava se despedindo. —Te amo muito, mamãe. — Ela não a chamava assim desde os oito anos¹, mas enterrou o rosto nos cabelos dela e voltou a ser criança.

— Eu também te amo, minha ratinha. — Sabine sussurrou o apelido de infância da menina, que a soltou, aliviada. Quando Marinette olhou para a mãe, quis que ela entendesse que estava dando adeus. Mas ela sorriu, acenou com a cabeça para indicar que precisavam ir e a despedida se encerrou.

Cicatrizes de batalhaOnde histórias criam vida. Descubra agora